quinta-feira, 20 de setembro de 2012

"Zombie Lake": Ruim Demais Para Um Só Post



Para aqueles que gostam de concisão (e, não obstante, lêem este blog), posso resumir minha reação a Zombie Lake com o video abaixo:



Outra maneira sintética de dizer tudo que se precisa saber sobre Zombie Lake? É o filme que o Jess Franco se recusou a fazer, em razão do orçamento fuleiro demais para seus padrões. Quem conhece a vida e a arte do legendário Jesus "Jess" Franco (ou, como alguns [absolutamente ninguém, pois inventei esta idiotice agora] preferem chamá-lo, "The Hoos") sabe o quanto a idéia de um orçamento tosco demais para os parâmetros do gênio espanhol é bizarra. Afinal, se há um elemento presente em toda sua obra (que já está nos três dígitos e continua aumentando), é a absoluta falta de preocupação com fatores que podem custar dinheiro, como edição, iluminação, lógica, interpretações decentes e o fato de que pastores alemães e lobos são animais bem distintos. O homem demonstra que dinheiro é algo abaixo de seu talento superlativo - uma ninharia que só aflige os mais fracos. Se você não conhece a obra de "The Hoos", só posso dizer que é necessário repensar toda a sua vida agora e buscar conhecer e vivenciar o fantástico universo criado pelo cineasta/roteirista/compositor/picareta, pois um mundo sem Jess Franco é um mundo sem magia, risos, Soledad Mirando como vampira lésbica, Dr. Orloff e pastores alemães em plena luz do dia passando por lobos na calada da madrugada. Se alguém me pedisse para mostrar uma sequência que condensa toda a The Hoos Experience, eu mostraria a preciosidade abaixo:


Assustador, não? Precisei de uns 10 minutos para parar de rir... digo, me recobrar do pavor e voltar a escrever. Mas retornemos a Zombie Lake. Em 1981, a Eurociné, augusta produtora francesa famosa por clássicos como... eh... são tantos que acho melhor nem citar, para não cometer injustiças. Enfim, a Eurociné decidiu que precisava realizar uma obra que mudasse para sempre o mundo como o conhecemos. Para isso, convocou The Hoos, que escreveu o roteiro que mais tarde acabaria se tornando o filme em análise. Findo o script, restava apenas uma questão: quanto custaria a obra que mudaria todos os universos do mundo? Consegui uma gravação da negociação (tenho informantes por toda parte; um deles pode estar atrás de você AGORA!) e posso dizer, sem medo de falsear a verdade (porque eu sou acanalhado e minto na maior cara-de-pau), como foi o diálogo entre o Representante da Eurocine (RE; não confundir com Resident Evil, porque, se confundir, o diálogo não vai fazer sentido) e The Hoos (TH):
RE: Muito bom, Jess. Muito bom. Por quanto você acha que dá pra fazer o filme?
TH: Trezentos.
RE: Trezentos centavos? Meio salgado, mas acho que podemos dar um jeito.
TH: Não, cabrón! Trezentos dólares! 
RE: Mon Dieu!  Não seja insensato, Jess. Você bem sabe que não temos essa quantia.
TH: Duzentos, então. Faço por duzentos dólares.
RH: Posso pagar cinquenta.
TH: Screw you guys, I'M GOING HOME!
Barulho de porta sendo aberta e fechada com força, indicando que o Franco, conforme ameaçado, saiu do recinto, muito provavelmente decidido a ir para casa. Após alguns segundos de silêncio...
RE (atônito): Sacre bleu! Ele esqueceu o roteiro!
Após mais alguns segundos, RE solta uma gargalhada diabólica.
RE: O Franco se ferrou! Agora é meu roteiro!
Com o roteiro em mãos, restava apenas à Eurociné decidir quem poderia substituir The Hoos na direção da obra. RE não pestanejou: chamou o igualmente fantástico Jean Rollin. Trata-se de um cineasta tão brilhante quanto The Hoos, mas com idiossincracias radicalmente distintas. Se eu compará-los utilizando personagens de gibi como referência, diria que o Franco é o Ra's Al Ghul (maníaco imortal!), enquanto Jean Rollin era o Demolidor (ceguinho arretado!). O que poucos sabem é que, além de cineasta genial, o saudoso Jean Rollin era também um negociador dos mais astutos. O que nos conduz a mais uma gravação ilegal que caiu em minhas mãos - a discussão entre RE e Jean Rollin sobre o orçamento do filme:
JR: Posso fazer o filme por cento e cinquenta.
RE: Cento e cinquenta centavos? Meio salgado, mas acho que...
JR: Cento e cinquenta dólares!
RE: Sacre bleu! Jean, você bem sabe...
JR: Nem tente me intimidar falando bonito. Eu também sou francês, seu animal!
RE: Mon Dieu! Eu...
JR: Eu também sou francês! Deixa de enrolar.
RE (secamente): Falou. Posso pagar cem dólares.
JR: Cento e cinquenta.
RE: Putz! Cento e dez dólares!
JR: Cento e cinquenta.
RE: Tá bom, tá bom. Posso arranjar cento e trinta dólares.
JR: Fechado!
RE: Escroto sovina!
JR: Sou mesmo!
Após alguns segundos, escuta-se uma porta se abrindo e fechando.
JR (falando sozinho): Hahaha!!! Mané! Eu teria aceitado cento e vinte dólares!

Jean Rollin

Mas o representante da Eurocine caiu na lábia do Rollin e uma obra-prima nasceu. E com "obra-prima",  naturalmente, quero dizer "filme tão horrível que o próprio diretor, que nunca primou pela excelência, ficou constrangido em admitir que tinha dirigido. E dizem que, toda vez que alguém vê o filme, seu cadáver rola no túmulo."

São muitos os títulos, mas o filme é sempre ruim. Que barulho é esse? É o Jean Rollin se revirando no túmulo.
Começamos com Jean Rollin mostrando logo o que sabe fazer melhor: mostrar mulher pelada. Em menos de dois minutos de filme, ele já deixa claro como a banda vai tocar: a história começa com uma beldade chegando a um lago ("Será o 'lago dos zumbis' do título?", um idiota indagaria. "Sim", eu responderia, porque é), tirando a roupa e brindando o espectador com um nu frontal. Após mais alguns segundos de nudez gratuita (para deixar bem claro para todo mundo que TEM MULÉ PELADA NA TELA, PESSOAL), a moça se depara com uma placa que aponta para o lago e indica... Não sei exatamente o que...

Talvez "Jack Sparrow e Barbossa estiveram aqui".
Mas o importante é que a moça não se deixa intimidar por sinalização obviamente feita por uma criança de seis anos de idade: ela tira a placa, esconde no mato e vai nadar. Após mais alguns minutos em que a moça nada e Rollin parece estar gritando "EI! MULHER PELADA, PESSOAL!", é possível perceber alguns detalhes interessantes. Primeiro: embora seja dia na superfície, todas as imagens debaixo d'água deixam a impressão de que já anoiteceu. Segundo: tem um cara esquisito embaixo d'água (BRRR!). Terceiro, uma mão emerge da água e faz um gesto de "Tigrão vai te pegar!" (Ai! Que medo!). Quarto, um cara esquisito surge do nada e ataca a moça. Durante todo o ataque, a fotografia parecer insistir em mostrar que é dia na superfície, mas noite embaixo d'água.

A diferença é sutil, mas, com muita atenção, é possivel perceber.

A essa altura, um espectador mais sagaz poderia me indagar: "Kurt, será que essa cena serviu de inspiração para o primeiro ataque do Tubarão do Spielberg?" A tal espectador, eu diria: "Sim!" Um segundo espectador, ainda mais astucioso, poderia observar que "Vocês dois são retardados! Kurt, o Tubarão do Spielberg é de 1975 e esse filme idiota de zumbis aquáticos é de 1981." A tal espectador, explico, após uma sonora gargalhada: "Pensou que ia me fazer passar por imbecil, mas quem acabou sendo idiota foi você! Todo mundo sabe que o Spielberg inventou uma máquina do tempo, viajou para o futuro, viu Zombie Lake, se inspirou e filmou o ataque inicial de Tubarão".

Baseado em fatos reais [citation needed]
A diferença, claro, é que, enquanto o hollywoodiano Tubarão se ocupa apenas do óbvio ululante (uma mulher sendo devorada por um tubarão), Zombie Lake aborda o ataque de forma muito mais complexa: é evidente que a cena, na verdade, representa a eterna luta entre o id e o superego. Para quem ainda não entendeu, elucidarei: a superfície (calma, serena, inofensiva) representa, obviamente, o superego, enquanto a escuridão submersa representa o id: sombrio, violento, descontrolado, apalpando, à força, uma banhista nua. A questão é: quem vencerá essa batalha? Ao que eu retruco: precisamos escolher entre dois extremos? Não é possível chegar a um meio-termo?

Lucio Fulci: É claro que sim!

Corta para uma lanchonete/cantina/restaurante/boteco chibunga, onde acompanhamos, em tempo real (e começamos a sentir falta do dinamismo do Bruno Mattei na edição), uma garçonete servir uma mesa e caminhar, em silêncio, até outra mesa, onde estão dois indivíduos cujo nome não gravei, mas que identificarei como "Bigodão" (porque ele tem um bigode)  e "Garrafa" (por motivos que logo se tornarão óbvios). A garçonete, ao servi-los, solicita que tentem "não quebrar copos, desta vez". Irritado, Garrafa (explicando seu apelido) retruca que "É só você me trazer a garrafa que não vou quebrar copo nenhum." Em seguida, respondendo a algo que ninguém havia perguntado, o cidadão resmunga: "A garota ainda não voltou? Não se preocupe, ela deve ter encontrado algum jovem garanhão." E Bigodão indaga, delicadamente: "Ela não disse.... (pausa dramática) aonde porra estava indo? Ela deixou a bolsa aqui." Não inventei nada: o cara dá uma pipada em seu cachimbo e resmunga: "Well... Didn't she say... where the fuck she was going? She left her bag here." A garçonete apenas responde que ela "disse que ia ao lago". Desinteressado, Bigodão aduz, mostrando sua energia contagiante, que "Se ela não aparecer até amanhã de manhã, vou ver o prefeito e iremos procurá-la." Sem exageros, a dublagem em inglês é um dos troços mais crassos que já escutei e deixa qualquer filme asiático da década de 1970 com inveja: parece que o negócio foi feito pela turma responsável por aquele vídeo idiota do "I'm the Juggernaut Bitch!". E, tendo em vista a voz e entonação do Bigodão, a tagline do filme fica bem menos ridícula: é óbvio que é ele quem está dizendo que "They're WAITING for YOU... just BENEATH THE SURFACE!"

A próxima cena se passa na manhã seguinte, na casa do prefeito (Howard Vernon, obviamente precisando pagar alguma conta vencida). Este é acordado por Bigodão, que vai entrando residência adentro sem a menor cerimônia. O prefeito, que estava dormindo numa cadeira (aparentemente, o orçamento não deu para incluir uma cama), acorda, pergunta pela moça e é informado por Bigodão que a mesma ainda não apareceu e que ele "foi até o lago" e encontrou "isso" (as roupas da moça). Com uma expressão de quem vai precisar ir ao banheiro dentro de alguns segundos, o prefeito resmunga que "Era isso que eu temia" e que, se a moça não aparecer até a manhã seguinte, vai chamar a polícia. Quanto à primeira assertiva, só posso indagar "O que, exatamente, Vossa Excelência temia? Que a moça tivesse tirado a roupa?" e, quanto à segunda, só posso parabenizar o prefeito pelo seu invejável espírito de liderança. Cacete! Já estou me sentindo mais seguro com este cara no comando. Há (ao que parece) dois dias que a moça desapareceu, mas não temam: se ela não aparecer até amanhã, o prefeito vai entrar em ação e chamar a polícia! E ele ainda acrescenta que "Está muito preocupado" porque acha que "isto envolve muito mais do que parece." E o espectador, é claro, só pode exclamar: "Hein?" Ou, como diria o Bigodão: "Alguém faz idéia... de que porra esses idiotas estão falando?"

"Muito preocupado" ou "ansioso para se livrar da visita inconveniente e  voltar a dormir"?
 Bigodão, após alguns segundos de ponderação, resmunga que "acha que ela se afogou", mas vai "manter o prefeito informado". Isso. Afinal, se ela se afogou, mais algumas horas apodrecendo no lago não vão fazer diferença mesmo. Para que esquentar a cabeça?

ENQUANTO ISSO, NO LAGO DOS ZUMBIS, uma moça está empurrando um carrinho-de-mão, que parece conter uma espécie de massa, um balde e uma palmatória. Entrementes, um "zumbi" (sujeito com a cara pintada de verde e o resto da pele de cor completamente saudável) está saindo de sua sepultura aquática.

ARTE!
Após bater vigorosamente na massa com a palmatória, a moça a joga no balde, tapa o balde (Não é um balde! É uma panela!), sai com a panela e a palmatória, joga tudo no carrinho-de-mão, sai empurrando o carrinho... empurra o carrinho por mais alguns segundos... o zumbi caminha, trôpego, por mais alguns segundos... a mulher empurra o carrinho por mais alguns segundos... é atacada pelo zumbi, que a derruba, vomita extrato de tomate aguado em seu pescoço, fica beijando seu pescoço por alguns segundos... beija o pescoço por mais alguns segundos, enquanto a moça mexe a cabeça de um lado para outro... encara a câmera e me deixa com a expectativa de que vai imitar o Tião Macalé e exclamar "NOJENTO!"... e, finallmente, depois que a moça para de mexer a cabeça... beija seu pescoço por mais alguns segundos.

Na cena seguinte, começo a achar que o bicho vai pegar: três cidadãos estão carregando o corpo da moça pelas ruas da cidade. Parece que vamos entrar no clima de "Irmãos Earp e o Doc Holliday se Dirigem ao Curral OK". Só parece, porque, ao invés de um dramático e violento confronto... eles carregam a moça por mais alguns segundos. E uma multidão começa a se formar e a seguir os três indivíduos por alguns segundos. A câmera muda de ângulo, mostrando o pescoço da moça, coberto de extrato de tomate aguado, enquanto esta é carregada por mais alguns segundos. Após vários outros segundos, o corpo da moça é colocado no chão, às portas de uma casa. Dois dos três cidadãos  vão embora, enquanto o outro (não tenho certeza, mas parece ser o Garrafa) fica com o corpo. A porta da casa se abre e alguém sai. A princípio, o enquadramento me faz pensar que é o Cavaleiro sem Cabeça de Sleepy Hollow, mas, após uma hilária mudança de ângulo (a câmera se volta para a moça, no chão; acho-que-é-o-Garrafa puxa o vestido da falecida, cobrindo sua calcinha que estava à mostra e protegendo sua dignidade [algo meio inútil, depois de carregar a coitada com a calcinha à mostra por toda a cidade], e fecha os seus olhos), revela-se que quem saiu da casa não foi o Cavaleiro Sem Cabeça: é o prefeito Howard Vernon, que, após olhar para a multidão e para acho-que-é-o-Garrafa, profere mais um discurso que mostra como um líder nato se comporta: "Não há nada que possamos fazer até que a polícia venha descobrir o que está havendo. Coisas demais andam acontecendo por aqui; teremos que levar o cadáver para o hospital." Pausa dramática. "Para uma autópsia. Estou certo de que se algo estiver errado a polícia vai mandar alguém." Percebendo que seu monólogo não foi suficiente para convencer Acho-que-é-o-Garrafa a ir embora, o prefeito o chama para dentro de casa e tenta mostrar sua solidariedade. "Escute, Garrafa, eu sei como você se se sente em relação a sua pobre filha..." Garrafa: "É, eu sei." E sai. Ajoelha-se ao lado do corpo da filha e, por alguns segundos, olha para ela, com uma expressão indecifável. Se eu acreditasse no sobrenatural, diria que Jean Rollin conseguia prever o futuro e, graças a tal poder, leu meu post sobre o Blackenstein vários anos antes que eu o escrevesse. Injuriado, o Demolidor francês disse: "Ah, então esse rapazinho pensa que sabe o que é filme mal-feito? Pois vou mostrar a ele!" E foi por isso que ele fez Zombie Lake.



Sério, toda a sequência me faz pensar que o Rolllin dirigiu o filme sob a tutela espiritual do Cthullu. Os caras carregando o corpo pela cidade, o discurso idiota do prefeito, o diálogo estapafúrdio entre este e o pai da falecida e o dramático momento em que este, ajoelhado, simplesmente olha para a mancha de extrato de tomate e passa alguns segundos meditando... É tudo tão surreal que fico sem saber se é alguma piada muito inteligente que minha mente insignificante não logra entender ou se o Rollin e sua turma estavam realmente tão pouco preocupados com o resultado final. E quanto à "mancha de extrato de tomate": eu sei que é para o espectador pensar que o zumbi rasgou a garganta da moça, mas é impossível levar isso a sério. O efeito visual é paupérrimo e jamais convence alguém de que "aquele troço vermelho" no pescoço da moça é uma ferida. De modo que vou partir da premissa de que todo mundo na vila em que se passa o filme tem alergia a extrato de tomate e os zumbis, por uma ironia do destino, tem a mania inconveniente de vomitar tal condimento em quem cruza seu caminho.

Na cena seguinte, Howard Vernon está importunando duas crianças que nunca vimos antes, pedindo que os pimpolhos contem "tudo que viram na noite passada". Corta para o Howard Vernon entrando em sua casa, com uma expressão de preocupação, pegando um livro (cujo título ou conteúdo não conseguimos ver) e lendo por alguns segundos e... corta para uma jornalista chegando no restaurante fuleiro do início do filme. Que diabos foi isso? Primeiro, ele aparece perguntando a duas crianças que nunca apareceram antes para contar de novo "tudo que elas viram noite passada" (o que não sabemos) e, antes que elas contem, a cena corta para ele chegando em casa, lendo e corta. É impressão minha ou o Rollin acabou de desperdiçar aproximadamente dois minutos de duração sem acrescentar absolutamente nada ao filme? Eu ia fazer uma piadinha sobre a verdadeira ameaça à vila ser a aparente pedofilia do prefeito, mas não posso, por mais tentadora que seja a situação e por mais sórdido que seja meu senso de humor. As cenas não sugerem nada disso. Sugerem apenas que o editor é péssimo. Trata-se perda de tempo em seu estado mais puro.

Voltamos à lanchonete/restaurante/bar/podrão do início do filme, onde somos apresentados a uma nova e vibrante personagem: uma maria cebola idiota que já chega tirando fotos sem pedir a permissão de ninguém, deixando claro que acha toda a população pitoresca o suficiente (ou um bando de freaks grotescos o bastante) para ser fotografada sem nenhuma explicação.

"Olha que bonitinho! Parecem gente sentados em torno da mesa!"
Após alguns segundos... Ok, sei que estou usando essa expressão em excesso, mas não conheço muitas expressões que guardem relação de sinonímia com de "após alguns segundos". "Após uma grande quantidade de centésimos"? Enfim, a moça se apresenta à clientela do podrão como "repórter" de um jornal cujo nome não consigo identificar e diz que está procurando escrever uma matéria sobre a vila. Os clientes se apressam em enfatizar que "não tem nada pra escrever". Não sei o que é mais bizarro: a absoluta falta de noção da moça (É assim que jornalistas de verdade trabalham? Passeando por aí, tirando fotos aleatoriamente e pedindo sugestões a anônimos?) ou a desoladora falta de estima dos cidadãos pela sua vila. Cara, eu passei alguns minutos no município de Exu/PE e já tomei conhecimento de uma história interessante ("Seu carro tem vidros fumê. Não entre na cidade com as janelas fechadas, senão vão achar que você é matador de aluguel.") E esses caras não pensam nem por um segundo antes de se sair com o "não tem nada pra escrever". Felizmente, Bigodão, provando que é um dos seres humanos mais inconvenientes que eu já vi, senta-se, cheio de charme, à mesa da repórter, sem ser convidado, e pergunta sobre "que tipo de história" a moça quer escrever. E esta, provando que é ainda mais peculiar que o Bigodão, responde que "digamos que eu queira uma historinha interessante sobre aquele lago esquisito. Talvez haja uma matéria sobre ele. Que lendas surgiram em torno dele? Vocês o chamam de... o lago dos fantasmas?" Ao que eu pergunto: 1) O que aquele lago tem de "esquisito"? e 2) Quem diabos está se lixando para histórias retardadas sobre uma lagoa? Sério, alguém vai comprar o jornal devido à eletrizante matéria sobre uma lagoa perto de uma vila francesa que chamam de "lago dos fantasmas"? E em que universo lagos são acidentes geográficos tão fascinantes que é seguro supor que, onde há um, há "lendas em torno dele"? Nada disso importa, claro. O que importa é que o Bigodão diz logo que "o prefeito sabe tudo sobre o lago" e se oferece para levar a moça à casa deste. Quer dizer que, além de ficar invadindo a casa do prefeito, o cidadão agora oferece a terceiros a oportunidade de violar a privacidade do Howard Vernon?

A moça, claro, aceita a proposta e vai à casa do prefeito. Bigodão mostra a casa e explica que "é só tocar a campainha e ir entrando". A moça faz exatamente isso e acaba topando com um (compreensivelmente) mal-humorado Howard Vernon, que explica algumas normas de conduta elementares ("Você não tem o direito de entrar na minha casa assim!") à moça. Esta não se intimida: identificando-se como (não é piada, acho que é esse o nome da mulher) Katia News, a repórter aduz que Bigodão contou algumas coisas a ela (mentira) como, por exemplo, o fato de o prefeito saber algumas "histórias estranhas" sobre o lago. Ela tenta alisar mostrando ao prefeito que trouxe um livro sobre "fenômenos sobrenaturais", o que, surpreendentemente, funciona: o prefeito se entusiasma com a obra (deve ser "Horror em Amityville" e aposto que o prefeito ficou fascinado com a "história real") e, muito mais cordial, convida a moça para entrar.

Aconchegados na sala-de-estar do chefe do poder executivo municipal, Howard Vernon indaga o motivo do interesse de Katia News sobre o Lake of the Damned, como é chamada o lago. Ele elucida que o verdadeiro nome do lago é The Goddamned Lake (totalmente diferente) e que  "Lake of the Damned" é uma alcunha recente. E como o lago ganhou essa nova alcunha? Segundo o prefeito, foi algo que aconteceu há muito tempo atrás e não pode ser atualizado (?) de modo que falar sobre o assunto é uma perda de tempo. Katia News, contudo, é determinada. Após encher o saco por mais um segundo, Vernon acaba desembuchando: foi A Guerra...

Pelo que eu entendi, uns soldados nazistas estavam passando pela vila quando alguém com um daqueles chaveirinhos cheios de efeitos sonoros disparou o bicho no volume máximo. Uma mocinha indefesa (que chamaremos de Isabelle Binoche, porque eu estava comentando sobre a Juliette Binoche outro dia no Facebook e este foi o primeiro sobrenome francês que me veio à cabeça; a moça não tem a menor semelhança física com a Juliette e... o filme é muito ruim, cara. Estou com preguiça de pensar.) fica histérica com a cacofonia, mas é resgatada por um valente soldado alemão, que chamaremos de Rutgar (porque, como diria o Rubens Ewald Filho, é tipo "Rutger", só que mais chique, porque tem um "a" no lugar do "e"). Lamentavelmente, o barulho do chaveirinho acaba ferindo brutalmente o Rutgar, que tem que se recuperar dos ferimentos gravíssimos causados a seus tímpanos. Nesse ínterim, Isabelle Binoche desenvolve uma irresistível paixão pelo heróico nazista (nunca achei que algum dia fosse escrever tal expressão), uma coisa leva a outra e o amor acontece. Rutgar, recuperado, tem que partir, mas,  nove meses depois, uma rutgarzinha vem ao mundo. Seu nome (como saberemos em breve e eu vou adiantar logo) é Helena.

Mas "A Guerra" não espera por ninguém e Rutgar acaba tendo que voltar ao combate, deixando a Isabelle muito triste. Eu sei disso porque uma montagem das mais sofisticadas mostra Rutgar e Sua Banda (doravante chamados de RSB) andando no seu caminhão badass (banheira motorizada, provavelmente emprestada do avô do Jean Rollin) e, em seguida, um close no rosto da Isabelle, por vários segundos, durante os quais o Jean Rollin provavelmente tentou, sem sucesso, fazer a moça chorar. O tempo passa (não faço a menor idéia de quanto tempo, só que, tudo indica, "A Guerra" ainda está rolando) e um bando de caras vestindo casacos brancos está correndo pela floresta, ao som do chaveirinho barulhento... digo, trocando tiros com alguém. Desta vez, sei que são tiros de verdade, ao invés de um daqueles chaveirinhos, porque os caras estão armados e disparando tiros. É tudo muito autêntico para os padrões do filme: os combatentes têm armas e tudo mais. Se alguém me dissesse que, durante as filmagens de "Zombie Lake", um museu sobre a Segunda Guerra Mundial foi assaltado, eu não precisaria de muito esforço para adivinhar quem foram os meliantes....

A guerra realmente traz à tona o pior dos homens. Pelo lado positivo, o Rollin improvisou até umas explosões!
Se o filme custou cento e trinta dólares, eu diria que oitenta foram gastos nesta cena, vinte foram gastos com filme, cinco com o figurino o resto o Rollin embolsou, só pra sacanear. Corta para uma transmissão da Rádio Liberdade (a nomenclatura deve ter sido idéia do pai da Katia News), anunciando que unidades do terceiro exército alemão estão se retirando da "ZZrrgh Area". E não, não estou sacaneando. Ele fala que tropas alemães estão se retirando da "pigarro" área. Se você pensar bem, há algo de lírico em tal onomatopéia: talvez Jean Rollin tencione dizer que a guerra deixou cicatrizes em toda a Europa e o "lago dos zumbis" podia estar em qualquer lugar (onde houvesse um lago e zumbis que vomitam extrato de tomate). Um homem cínico, por outro lado, poderia pensar que o cineasta inventou a "Zzrrgh Area" porque, se utilizasse o nome de um local que realmente existisse, corria o risco de ser processado. Mas eu não sou um homem cínico.

Jean Rollin: And I'm not a schemer.
O radialista anuncia que todas as unidades disponíveis da Resistência devem atrasar retirada das tropas alemãs, o que não é um bom presságio para RSB. Na cena seguinte, vemos um tanque de guerra, alguns caminhões e vários soldados em movimento, sugerindo que se trata do terceiro exército alemão. Isso é curioso, porque o exército parece estar batendo em retirada com surpreendente serenidade. Um homem cínico diria que o Rollin inclui tal sequência mediante subtração de footage de algum outro filme de guerra que nada tem a ver com "Zombie Lake", hipótese que se torna ainda mais verossímil quando vemos RSB, na cena seguinte, em um cenário completamente diferente do ocupado pelo "terceiro exército alemão batendo em retirada". Eu, entretanto, conforme já aduzido, não sou um homem cínico.

Ah... Ainda bem que eu não sou um homem cínico. O cenário é diferente porque, é claro, estamos de volta à vila (cujo nome, acabo de perceber, até agora não foi apresentado ao espectador). Rutgar, gentleman que é, veio ver Isabelle Binoche pela última vez, antes de, provavelmente, fugir para a América do Sul e assumir uma identidade falsa. Sensíveis, os colegas do nosso herói avisam para ele "se apressar; você tem cinco minutos". Rutgar entra na casa da Binoche, que, ao que parece, acabou de dar à luz e está de cama, sob os cuidados de Uma Velhinha Gorda Cujo Nome Não Saberemos ("Velhinha Gorda", como a chamaremos doravante, por uma questão de preguiça). Em um momento dos mais comoventes, vemos Rutgar contemplar, com ternura, a filha que deixará para trás sem pestanejar (porque se o nazista não vai à América do Sul, pode ter certeza de que esta não vai ao nazista). Digo, acho que ele está olhando para a filha: vemos apenas que ele está olhando para algo que parece estar em um berço, off camera, e Velhinha Gorda diz que "Nós a chamamos de Helena". O novo papai, então, se debruça sobre Isabelle Binoche. Esta profere algumas palavras que, ao que parece, os responsáveis pela dublagem não julgaram relevantes o bastante para traduzir: é perceptível que os lábios da moça está se movendo, mas nenhuma palavra se faz ouvir na trilha sonora. Após um apaixonado beijo, o garanhão ariano corre para a porta, alveja Velhinha Gorda com um olhar enigmático e cai fora (porque, novamente, a América do Sul não vai ao nazista). Após alguns segundos andando no caminhão badass, RSB resolvem parar e prosseguir a pé. Por que? Jamais saberemos. Mas a câmera acompanha a incrível jornada (caminhada entediante) dos rapazes por vários segundos, até que eles... chegam num local onde há alguns troncos empilhados e param por alguns segundos. Um dos rapazes afrouxa o capacete, acende um cachimbo (mais uma vez: é uma das retiradas mais tranquilas de que já ouvi falar) e... um grupo de Soldados da Resistência (Bigodão entre eles) surge do mato e abre fogo, eliminando todos os alemães. E um dos atores que interpreta os nazistas decide que não vai passar despercebido! Creio que ele, percebendo que a morte do seu personagem limitaria severamente a possibilidade de mostrar suas habilidades como ator (afinal, zumbis não choram), decidiu que aproveitaria sua última cena com vida ao máximo, mostrando toda a pujança de seu talento dramático:


ACTING! É assim que um ator de verdade mostra a morte em toda sua complexidade! Posso até imaginar esse cara se bombando pra filmar a cena: "É a última cena antes de meu personagem morrer. Imma act the FUCK OUT OF IT, MOTHERFUCKER!"

Entrementes, Isabelle Binoche morre e Velhinha Gorda chora. Não faço idéia do motivo da morte da moça, mas até parece que a sua vida e a do Rutgar estavam interligadas! É o destino! Ou a atriz cansou de ser enrolada por Jean Rollin sempre que perguntava sobre seu salário e decidiu sair de cena. Uma coisa é certa: não há um médico presente. Velhinha Gorda, não obstante, cobre o rosto da moça e, presume-se, vai chamar o rabecão. Cara, isso não é nem um pouco científico. Está certo que... Digo, tudo indica que estamos na Segunda Guerra Mundial, mas já se tinha conhecimento de algo chamado catalepsia à época (como qualquer pessoa que tenha atentado para a obsessão do Poe com o tema já deve ter percebido). Não seria prudente consultar um médico antes de dar a moça por morta? Será que Velhinha Gorda é a verdadeira vilã do filme? Não. É só um buraco no roteiro mesmo.

Enquanto isso, alguém está roubando as botas e a pistola de um dos nazistas mortos. Acho que acabei de descrever a coisa mais deprimente que posso imaginar. Um personagem está furtando as botas e a pistola de um dos nazistas mortos. Reflita um pouco sobre essa situação. É o tipo de coisa que inspira compaixão em viciados em crack. Há um momento na vida - provavelmente ao afanar o coturno e a arma de um nazista morto - que você tem que se perguntar: "Onde eu errei? Que fiz para merecer estar nesta situação? O que meus pais diriam se me vissem agora? O que Jesus diria?" Eu sei o que Jesus diria. Ele provavelmente exibiria uma expressão de asco e diria: "Vou sair daqui e procurar uns leprosos pra me fazer companhia porque tu é MUITO SEBOSO, cara. Francamente!" Mas eu divago. O prefeito Howard Vernon (quanto tempo dura o mandato nessa birosca?) aparece e, mostrando toda sua classe, resmunga que "Vocês não podem deixar deixar todos esses corpos para trás!" O nobre ladrão de coturnos retruca, desinteressado, que "Não podemos ficar mais tempo aqui. Há mais dois caminhões de alemães vindo para cá." Prefeito: "Pior ainda. Eles vão matar todos na vila se vocês deixarem os corpos por aí." Ladrão de coturno (vou tentar pontuar de acordo com a entonação do ator): "Encontraremos algo. Mas temos que sair daqui não podemos enterrá-los mas vamos só jogá-los no lago." E lá vão os Heróis da Resistência jogar os presuntos no lago.

É, deixa assim mesmo. Os dois caminhões de alemães não vão notar.
E assim se encerra o flashback. Katia News (repito: isso não é piada) conclui: "Agora entendo por que o lago tem um nome tão estranho." Que nome estranho? Você que chegou perguntando se havia alguma "historinha estranha" em torno do lago e chutando que ele era chamado de "Lago dos Fantasmas". E o prefeito, em um momento de sagacidade que faria Oscar Wilde se roer de inveja, comenta: "É. Acho que você pode chamá-lo de 'O Maldito Lago dos Malditos'." Sensível, a repórter diz que "Eu sei como você se sente em relação ao lago", mas Howard Vernon é incisivo: "Não, não sabe. Ninguém sabe como eu me sinto e você também não", assevera, melancólico. E a conversa acaba por aí. A moça agradece ao prefeito por sua cooperação e vai embora. Pronto. Isso é que é jornalismo investigativo! Diante da assertiva de que "Ninguém entende como eu me sinto em relação ao lago", a moça simplesmente concorda e vai embora. O prefeito tem a consciência pesada? Acha que foi covardia a forma como os nazistas foram assassinados e se sente cúmplice? Acha (como eu) que foi muito leniente e devia ter instigado os "membros da Resistência" a ter torturado os nazistas antes de matá-los? Se depender de Katia News, jamais saberemos.

Enquanto isso, Helena (aparentando ter uns dez anos) está num celeiro. "Pobrezinha!", exclama Velhinha Gorda. "Igual a sua mãe! Venha! Você não devia ficar aqui!" E acaba de me ocorrer uma dúvida: quando, exatamente, se passa esse filme? A indumentária do prefeito, da Katia News e dos moradores da vila indica que a história se passa ao tempo em que o filme foi gravado (início da década de 80), mas isso não faz muito sentido, pois Helena aparenta ter uns dez, doze anos no máximo. Se ela nasceu no final da Segunda Guerra Mundial, o filme se passa... na década de 1950? Se é o caso, como se explica a próxima cena?

A famosa cena do time de vôlei...
Continua num próximo post porque... preciso de um tempo, cara. O filme é muito ruim mesmo. E eu já vi Manos - The Hands of Fate. Bons tempos, aqueles. Ainda faltam mais de quarenta minutos de filme e eu sou apenas um ser humano. O Jean Rollin me derrotou. Meu maxilar está doendo de tanto rir desse negócio ridículo e minha cabeça está doendo de tentar descrever o que se passa na tela sem me repetir.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

"O Legado Bourne": Tony Gilroy é Um Supervilão. No Bom Sentido.



Este filme merece uma menção honrosa. Afinal, ele já contava com dois pontos negativos quando fui vê-lo e ainda assim saí da sessão satisfeito. Ponto negativo 1: Pareceu picaretagem. É um filme da "série Bourne" sem o Jason Bourne, sem Paul Greengrass e sem Doug Liman, com um personagem cuja existência até então era desconhecida. Ponto negativo 2: Fui vê-lo depois de assistir a Mercenários 2, que deixou minhas expectativas em relação a cenas de ação bastante elevadas. Mas o Tony Gilroy escreveu os três primeiros filmes (pegando muito pouco emprestado dos livros do Ludlum, que, hoje, são muito difíceis de engolir) e tais roteiros, em comparação com o blockbuster hollywoodiano médio, são absolutamente fodásticos (sério: com que frequência, hoje, se vê um filme de ação que consegue prender a atenção com vários minutos sem diálogos e sem pirotecnias?) e o Michael Clayton foi decente (não vi Duplicidade, porque, basicamente... sei lá, mas talvez eu veja agora). O filme, contudo, foi uma surpresa agradável. Não é Mercenários 2, mas é muito bom. 

O roteiro não é extraordinário, mas serve. A história se passa durante e depois de O Ultimato Bourne e consiste, em síntese, no seguinte: graças ao escândalo causado pelo segundo e terceiro filmes da série, o governo americano resolve dar cabo das operações Treadstone, Blackbriar e congêneres, o que implica matar os envolvidos. Jeremy Renner é Aaron Cross, uma das cobaias, que, compreensivelmente, não quer morrer e precisa da medicação que só a Rachel Weisz pode arranjar (pois é a única médica envolvida na operação que escapa de virar arquivo queimado). O filme começou a me chamar a atenção quando Cross escapa de ser bombardeado por uma questão de segundos e resolve retribuir a gentileza derrubando um jato com um rifle com mira telescópica. Pois é, o rapaz derruba um caça a tiros. Muito bem.  Meu man-crush pelo Renner mostra que tinha razão de ser. Depois ele arranca o rastreador que implantaram em seu corpo com uma faca (badass), luta com um lobo (melhor ainda!), quebra a cara do lupino (massa!), no qual implanta o rastreador (sacaneou!), de modo que o próximo caça (imagino que os pilotos acham que estão atacando o Abominável Homem das Neves) bombardeia o lobo desavisado e o responsável pela chacina (Edward Norton que, depois das frescalhação que aprontou durante as filmagens de O Incrível Hulk, está bastante plausível como um escroto) acha que o problema foi resolvido. Então ele vai atrás da Rachel Weisz (o que é sempre uma boa idéia, mas falarei sobre isso no final), salva a moça de ser executada e eles têm que dar a volta ao mundo, rumo às Filipinas, onde é fabricada a medicação utilizada no programa de que o Cross fazia parte, fugindo "dos home". Perseguições acontecem, porradas e tiros são desferidos e constato que o Tony Gilroy devia ter dirigido Supremacia e Ultimato, pois ele não tem a afeição doentia do Paul Greengrass com a shakycam. Não vou comparar o filme com Expendables 2 porque seria covardia. Mas é direção é muito superior à do segundo e terceiro filmes, me levando à conclusão de que o verdadeiro responsável pela qualidade destes era o roteirista, não o diretor. E, ao final do filme, percebo uma coisa: com algumas poucas cenas e diálogos, o Gilroy subverteu toda a conclusão de O Ultimato Bourne. O roteirista/diretor é um gênio do mal: ele consegue criar uma cenário que torna possível tanto um quarto filme com o Jason Bourne (se Legado não render dinheiro o suficiente) quanto outro filme com o Cross. E sem picaretagens - ele arma a coisa de modo bastante plausível, tanto politica quanto juridicamente. A Pamera Landy termina o filme, basicamente, cheia de abacaxis pra descascar. Será que o Jason Bourne irá socorrê-la? Ou o Aaron Cross? Só a bilheteria e as contas vencidas dos atores dirão. Mas qualquer das hipóteses (ou ambas) é possível.


Na verdade, ao final do filme, percebo duas coisas. A segunda? Cacete! A Rachel Weisz está ficando mais gata e gostosa com o passar do tempo! Danny Boy, é impressão minha ou este fenômeno também está ocorrendo com a inglesa? Só posso presumir que sim. E o Cross nem tenta dar uns pegas. Estóico, gay ou deixou pra dar uns pegas depois dos créditos? Sei lá. Talvez jamais saberemos. Mas, como já disse, o filme é bom.

O que, na verdade, é curioso: ultimamente, vi uma série de filmes bons. Isso deixou um vazio em minha vida. Como preenchê-lo? Onde estão as porcarias que me deixam estarrecido com a capacidade humana para promover a tosqueira?

"Olha uma aí!", diz o fantasma do Elvis, meu mentor espiritual.
Reparem que proferir a tagline requer uma entonação bastante peculiar: They're WAITING for YOU... just BENEATH THE SURFACE! Trata-se de um filme com um orçamento tão fuleiro que o inigualável Jess Franco recusou a direção. Já cogitei a possibilidade de assistir e fui aconselhado, persuasivamente, a não fazê-lo, porque o filme é horrível. Mas sou um sujeito intrépido (ou retardado, segundo algumas pessoas que vão permanecer caladas, pois eu as matei, escondi os cadáveres na casa de um vizinho chato e fiz uma ligação anônima para a polícia dedurando o babaca, que agora está preso) e vou encarar o trambolho!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O Ano Que o Mundo Esqueceu



Em primeiro lugar, sim, eu sei que o Maddox fez um artigo sobre Contra III ("The War the World Forgot") com o título parecido com o deste post. Não enche o saco.

Descartado o leitor hipotético pentelho, divagarei sobre O Ano do Dragão. Grandes homens, como Ramses II, Genghis Khan, Alexandre e Michael Cimino, não têm medo de levar a cabo visões ambiciosas. Veja O Portal do Paraíso, por exemplo. É uma obra que a maioria das pessoas só lembra como "aquele filme horrível que faliu a United Artists". Injustamente: qualquer pessoa que goste de cinema e tenha visto Heaven's Gate ou Final Cut sabe que o filme: 1) não é horrível (sério, só aquela cena de homicídio no inicio, com o vulto atrás do lençol, e a apoteótica batalha final já excluem o rótulo de "filme horrível"); e 2) não "faliu" ninguém (como demonstra o documentário, a Transamerica, conglomerado proprietário da UA, recobrou o prejuízo de Heaven's Gate após excruciantes 02 [dois] dias). Mas, enfim, durante as filmagens de Portal do Paraíso, Cimino percebeu que a distância entre os prédios dos sets de uma rua estava equivocada e resolveu o problema mandando destruir tudo e reconstruir da estaca zero, a custo US$ 1.2 milhões. Aprendendo com seus erros, ele percebeu (pelo menos é assim que eu imagino) que tinha sido desleixado em Heaven's Gate, pois os sets, embora feitos segundo suas especificações, estavam ao ar livre. Assim, ao fazer O Ano do Dragão, ele decidiu que ia recriar toda Nova York dentro do estúdio. E sua tática foi tão convincente que muitas pessoas não acreditaram que as externas não tinham sido filmadas in loco. Sabe quem era um dessas pessoas? Stanley Kubrick. Sério. Cimino teve dificuldades em convencer Stanley Kubrick (que era, releva mencionar, natural de New York e a epítome do perfeccionismo no cinema) de que, na maior parte do tempo, usou sets no lugar da New York verdadeira.

Mas, é claro, excelência técnica não é, necessariamente, sinônimo de um bom filme. Cumpre indagar, portanto, se O Ano do Dragão é um bom filme.

É! Eu juro que é!
Começamos com uma série de incidentes que demonstram que a coisa vai ficar feia em Chinatown. O primeiro deles é o homicídio de Jackie Wong (conforme imagem acima), pilar da comunidade e chefe das tríades/máfia chinesa. Para solucionar a bagaceira, o Capitão Stanley White (Mickey Rourke) o "mais condecorado policial de Nova York" é colocado no comando da polícia de Chinatown. "Nosso herói", contudo, tem alguns traços de personalidade que fazem o espectador se perguntar como tal indivíduo foi, exatamente, "condecorado". Traços que fariam o Popeye Doyle exclamar, horrorizado: "Cara! Pega leve!" Além de truculento, desleixado, bocão e destemperado, White é um racista assumido que odeia asiáticos (por causa de suas experiências no Vietnã; para White, vietnamitas, tailandeses, chineses e japoneses são "tudo a mesma coisa)". O capitão inicia essa nova fase de sua vida profissional fazendo o baculejo em ponto de jogatina mantido por Harry Yung (que, tudo indica, será o sucessor de Wong) e, até então, tolerado pela polícia. Em seguida, invade o escritório de Yung. Encontrando o indivíduo cercado de mafiosos chineses, White aduz de forma bastante concisa as novas regras: não vai querer saber de violência nas ruas, os patriarcas das tríades vão ter que dar um jeito no problema, todos os "acordos" até então firmados entre a polícia e a máfia chinesa estão rescindidos unilateralmente e, se a coisa não andar exatamente da maneira que espera, White vai prender e arrebentar todo mundo. Because fuck you. All this thousand-year-old stuff's a lot of shit to me. This is America you're living in and it`s 200 years old, so you better get your clocks fixed. É assim, em essência, que o capitão manifesta seu desapreço por asiáticos e a nova metodologia de trabalho.
E é assim, totalmente cool, que ele explica como a banda vai tocar doravante.
Lembrado de que ele deveria simplesmente sentar a pancada na "juventude transviada de Chinatown" por seu colega, Louis Bukowski e pelo comissário de polícia, e questionado sobre a sensatez das novas táticas (já que Chinatown é uma área relativamente tranquila graças aos "acordos" entre a polícia e a mafia chinesa), White explica que 1) as tríades são as maiores importadoras de heroína do país; 2) não pediu pelo emprego, mas, já que lhe deram, não vai fazer corpo mole; e 3) parafraseando, se alguém estiver achando ruim, pode ir se arrombar, porque 4) Fuck you, that is why.

Abro parênteses para tomar partido do racista. Esse papo de que "é nossa tradição" é o argumento mais manjado para justificar práticas inaceitáveis. A título de exemplo, passei boa parte de minha vida adulta trabalhando num local onde levar meninas de 13, 14 anos pra cama não era só aceitável, mas meio que considerado uma demonstração de virilidade. E eu, claro, aderi à "tradição"? Não, e você merece uma porrada na cara só por congitar. Isso é nojento, cara. É ilegal, imoral, ultrajante e a história de que "é uma tradição nossa" não pesa porra nenhuma. Há um termo jurídico para isso e tal termo é "estupro presumido". Tradição é o caralho. Eu, quando bebê, também seguia uma popular tradição: babar e cagar nas fraldas. Foi só, entretanto, descobrir alternativas mais civilizadas (usar o vaso e fechar a boca), que abadonei tais "tradições".

Após algmas cenas de desenvolvimento de personagem (envolvendo o casamento de White, que não está indo muito bem porque a família do rapaz fica em segundo plano e, toda a vez que a esposa está ovulando, ele "esquece" de comparecer, deixando a suspeita de que não está muito empolgado em entrar para o clube dos genitores).

Problemas pessoais à parte, Stanley White vai encontrar a jornalista Tracy Tzu, no restaurante do Harry Yung, para propor uma parceria: ele fornece informações "off the record" e ela faz exposés sobre os vícios de Chinatown, abrindo a deixa para White contar com o tribunal da opinião pública e e avançar com suas investigações, desmontando, pedaço por pedaço, o crime organizado chinês. Por que a mocinha? Porque ela é asiática e, ao contrário do que ocorreria se colocassem uma repórter ariana para fazer as reportagens, a coisa não vai ficar parecendo racismo. A mocinha, é claro, tem princípios e não vai transformar o quarto poder em capacho de um policial fascista, ainda mais quando...

Um bando de moleques chineses, armados, entra no restaurante e barbariza geral.

Cacete! Senhoras e senhoras, meninos e meninas, é assim que se filma um tiroteio! Num segundo, todo mundo está numa boa, comendo e conversando e, de repente...

O balaço come solto, o pânico é geral, o herói não pestaneja, saca sua arma e entra na ação, um marginal leva um tiro no pé e White sai perseguindo os facínoras e sabe o que é mais fantástico?  Em momento algum deixamos de entender o que está se passando. O caos é filmando com nitidez e precisão cirúrgica, o que me leva mais uma vez a criticar o "padrão" das cenas de ação de hoje: cara, não trema a porra da câmera. Faça como os profissionais fazem. Como o Cimino faz. A cena me lembra o clímax do Scarface do DePalma: trata-se de um holocausto balístico, com tiros, sangue e explosões pra todos os lados e, em momento algum o espectador perde o fio da meada.

A bagaceira, é claro, leva os chefões das tríades a se reunírem para discutir como resolver a esculhambação vigente. Joey Tai (John Lone, parecendo ter uns quinze anos de idade e cool como um vilão de filme de John Woo) aproveita o ensejo para dizer que o grupo precisa de uma liderança mais enérgica (a dele, claro) que os atentados a Jackie Wong e Harry Yung são coisa de um tal Whiter Powder Ma (o apelido não deixa muita margem a dúvidas a respeito de qual é o bem de comércio do indivíduo) e que mudanças radicais se fazem necessárias - primeiro, retaliar e matar os pistoleiros respnsáveis pelo atentado no restaurante; segundo, mandar a Costa Nostra ir à merda e se livrar do intermédio desta na distribuição da heroína e, claro, dar cabo de White Powder Ma e viajar para a Tailândia, a fim de tranquilizar o fornecedor, Ban Sung.

E ele consegue ser tão cool quanto o Mickey Rourke ao expor seu plano de ação
É sério: fica difícil assistir à interpretação de John Lone sem equipará-lo a um Michael Corleone asiático. O moleque assume o comando com a boa vontade dos velhinhos, tem um plano de ação, pretende executá-lo já e seu plano consiste em atacar completamente o status quo do crime organizado. E ele não demonstra o menor receio de que a idéia dê errado. E nem devia, porque o plano é muito bom.

Enquanto isso, na delegacia, Mickey Rourke está submetendo seus superiores a uma intensa sessão de "I Told You So" e, tendo demonstrado que suas "teorias" procedem, consegue autorização para infiltrar um policial entre o crime organiado chinês.

Entrementes, os responsáveis pelo tiroteiro no restaurante estão na moita, esperando se recuperar de seus ferimentos, quando são visitados por... Joey Tai. Provando que é um supervilão, foi Tai o responsável pelo morte de Jackie Wong e os tiroteios no restaurente de Harry Yung. Tudo é uma conspiração para consolidar seu poder e deixar a velharada a escanteio. Como o Dr. Evil, a organização de Tai não vai tolerar fracassos, de modo que os atiradores são, rapidamente, executados.

Após encontrar os presuntos, White percebe o que está acontecendo e resolve ter uma conversa "de homem para homem" com Joey Tai. O chefão chinês propõe um acordo: White faz vista grossa para certas coisas, Tai entrega bandidos de baixa patente para o capitão mostrar serviço e, depois, após a aposentadoria, pode arranjar uns trabalhos extremamente lucrativos para o policial. Este, com sua delicadeza habitual, manda o jovem "empresário" à merda, diz que não está à venda e promete enterrá-lo. E aí a coisa parte pra truculência.

White organiza uma série de batidas, com a cobertura de sua nova namoradinha, Tracy Tzu (que ele, apesar de todo o preconceito contra os fiendish chinese, já está comendo). Joey Tai vai para a Tailândia, resolver os negócios com Ban Sung, mas, emputecido com a intransigência do novo xerife de Chinatown, resolve adotar uma drástica medida para resolver o problema. A solução resulta em outro momento fabulosamente WTF: White e sua esposa, Connie, estão discutindo a relação, obviamente abalada após a "modelo asiática 2.0" que o policial arranjou. Acusações são lançadas, lágrimas são derramadas e...


Fico sem palavras para descrever como a direção do Cimino nessa cena é badass: passamos de um momento dramático para uma tentativa de homicídio, a morte da esposa do protagonista e uma perseguição e tiroteio vibrantes. E, ao mesmo tempo, a violência é mostrada sem nenhum glamour e os efeitos dos tirambaços são exibidos com um realismo que o Cimino, ao mesmo tempo em que orquestra uma sequência magistral de ação, parece comentar o quanto a violência, na vida real, não é uma coisa bonita. A sequência consegue ser, simultaneamente, um primor de cinema de ação e um cala-boca para quem acha que filmes trivializam a violência.

Enquanto isso, Joey Tai está Tailândia, determinado a travar um novo modelo de negócios com Ban Sung. Mostrando que não é homem de frescuras, o moleque avança floresta adentro até chegar ao inner sanctum do drug lord. Ban Sung, aparentemente, está convencido de que é mais negócio fechar transações com White Powder Ma (sério, esse cara precisa de alguém cuidando da RP; como caralho alguém vai explicar para a polícia que "Pó Branco" em seu apelido é uma piada com talco?) Enfim, Joey Tai, já prevendo esse tipo de empecilho, revela que qualquer negócio com WPM é inviável:

Como diria Herbert West, quem vai levar uma cabeça decapitada a sério?
Tudo fica às mil maravilhas, Tai e o tailandês firmam um nova compra e venda de heroína e Joey volta para os EUA alegre e lampeiro. A alegria dura pouco, pois a velharada está desgostosa com a tentativa malsucedida de executar Stanley White e começa a questionar a liderança do jovem.

Outra pessoa desgostosa, evidentemente, é Stanley White, que ataca Joey Tai em um de seus clubes e uma troca de porradas acaba evoluindo para troca de tiros no meio de Chinatown. Agora, com o nariz quebrado e completamente sem moral, Joey tenta se redimir pelo caos provocado, comprometendo-se a receber um carregamento de Big H pessoalmente. A hora e o local chegam ao conhecimento de White através de seu infiltrado, que é descoberto e saturado com um rajada de balas, mas acaba revelando as últimas informações ao chefe antes de morrer. Tai, ainda sem noção do tipo de sujeito que é seu arquiinimigo, resolve dissuadi-lo de meter o bedelho mandando uns moleques estuprarem sua namoradinha. A reação, claro, não é a esperada, mas veja a porra do clímax do filme para descobrir o que acontece. Só posso dizer que Stanley White pode ser destemperado, racista, irresponsável e troglodita, mas o homem tem colhões e não vai dar pra trás, com ou sem aval de seus superiores. E Joey Tai também não vai dar para trás, de modo que o pau vai comer.

Já entrei em detalhes demais sobre a trama do filme, de modo que só me resta recomendá-lo com toda a veemência. O Ano do Dragão é um filme policial que merece estar lado a lado de outras preciosidades como Bullitt, Operação França, Viver e Morrer em LA e Manhunter (que, ironicamente, teve o título alterado porque os produtores náo queriam associar Dragão Vermelho com o filme ora analisado). Temos um protagonista mais cheio de defeitos que qualquer "herói" do James Ellroy, mas interpretado por um Mickey Rourke no auge do cool; um vilão de intelecto e carisma que deixam o herói comendo poeira (sério, é impossível não comparar o Joey Tai de John Lone com o Michael Corleone do Pacino), uma direção que não deixa dúvidas quanto ao domínio de Michael Cimino sobre seu ofício, uma reconstituição da Nova York em estúdio que convence plenamente e cenas de ação filmadas com a maestria que só o homem que dirigiu o quebra-pau final de Heaven's Gate é capaz de levar a cabo. E este filme não é considerado um clássico? Se depender de mim, ele vai ser. Leitores/Amigos Imaginários, comprem o DVD deste filme. Ao contrário de certas pessoas (náo vou citar nomes, mas começa com "R" e termina com "ubens Ewald Filho"), aconselho que comprem o DVD original e assistam, de preferência, num home theater com TV de 42 polegadas (se você não tiver, não seja orgulhoso - faça como Stanley White e se instale na casa de um amigo que tem home theater). E meus argumentos não são os covardes "não vejam cópia pirata porque a imagem vai ser ruim e as legendas vão ser incompreensíveis" (embora isso seja verdade) ou "filmes piratas enchem o bolso do crime organizado" (mentira deslavada). Meu argumento é simples: comprem e vejam o DVD original porque filmes fodásticos merecem ser pagos. E reconhecidos como as obras de arte que são.

sábado, 8 de setembro de 2012

"Cool Guys Don't Look at Explosions": A Melhor Coisa Gerada pela MTV

Revi isto agora há pouco e tenho que postar e recomendar, para manter a tradição viva.


E lembrem-se: "Denzel walks, Will Smith walks, Mark Wahlberg is wearing a hat!"

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"A Garota da Capa Vermelha": Todo mundo merece uma segunda chance...

... é mais uma máxima que pode conduzir a atitudes trágicas. Catherine Hardwicke, por exemplo, não merecia uma segunda chance. A Garota da Capa Vermelha provou isso de forma incontestável. Mas vamos divagar um pouco antes de chegar ao âmago da questão.

Como "brevity is the sould of wit", "toda unanimidade é burra" é aforisma que nem sempre corresponde à realidade. Prova disso é que, ironicamente, o criador da máxima, Nelson Rodrigues, é, hoje, praticamente uma unanimidade. É raro encontrar alguém que não veja mérito na obra do dramaturgo. Mas já procrastinei contato com muitas obras com base na lógica de que "se todo mundo gosta, deve ser ruim". Exemplo: o primeiro Matrix. Todo mundo dizia que era um filme fantástico, com cenas de ação de primeira e um roteiro que faz o espectador refletir. Minha reação: "Não vou ver esta porcaria. Deve ser uma daqueles filmes idiotas 'com mensagem' que todo cretino acha 'maravilhoso' porque consegue entender a mensagem sem perceber que esta é manejada com sutileza de um lutador de sumô dançando pagode" (desde muito jovem, eu sou um sujeito adorável). Um ano mais tarde, vi o filme e exclamei: "Caramba! Todo mundo tinha razão. É realmente um filme de ação muito bom com um roteiro mais inteligente que a média. E eu deixei de ver no cinema por ser 'inconformista'. Animal..." Outro exemplo? O Poderoso Chefão. Duvido da inteligência de qualquer pessoa que não considere tal filme uma obra-prima. Um terceiro exemplo: Game of Thrones. Muita gente me recomendou a série da HBO e eu, naturalmente, enrolei aproximadamente um ano para ver a primeira temporada porque "gente demais estava gostando". Depois que assisti, adorei a série e li, compulsivamente, os cinco livros das Crônicas de Gelo e Fogo do George R. R. Martin. Estou em abstinência porque o próximo só vai sair em 2013. É sério, o troço é muito viciante. O que quero dizer, enfim, é que tento evitar decisões baseadas na atitude de "se todo mundo está fazendo, não deve prestar" porque, às vezes, todo mundo gosta de uma obra porque ela é mesmo excelente.

O que me levou a tentar ler Crepúsculo. Pois é, podem me sacanear. Eu tentei ler mesmo. Assim como tive a infelicidade de ler o Mein Kampf, o Manifesto Comunista e um terço de O Capital. Podem me acusar de tudo, menos de injustiça: hoje posso dizer, com toda segurança, que o Mein Kampf só demonstra que Adolf Hitler, além de um dos seres humanos mais perversos que já pisou neste planeta, era burro como uma porta. Sua "luta" é uma das coisas mais retardadas que eu já li (exemplo: ele tenta explicar a sofisticação do Oriente em face de Europa na Idade Média alegando que os asiáticos "eram arianos àquela época" e só depois se corromperam. Não é piada). E pude constatar que a obra de Marx, embora faça sentido em seu contexto histórico, é tão chata que pode provocar derrame. Se eu tivesse que escolher entre ser sodomizado com ferro em brasa ou ler O Capital, eu... leria O Capital, porque, francamente, ferro em brasa no rabo é uma das piores coisas que posso imaginar. Mas eu ainda pensaria duas vezes. Assim, quando me deparei com a "saga Crepúsculo", tive a ousadia de dar uma chance à obra, não obstante todo mundo com um semblante de inteligência (inclusive o Robert Pattinson) alegasse que era um horrível desperdício de árvores escrito por uma picareta desequilibrada que se apaixonou por um personagem imaginário de sua autoria e voltado exclusivamente para meninas pré-adolescentes, adolescentes emocionalmente imaturas ou adultas emocionalmente imaturas e de pouca inteligência. Então, tentei ler Crepúsculo e tive uma agradável surpresa: "O ser humano é bem mais benevolente do que imagino!", ponderei, "Esse livro não é tão ruim quanto dizem. É muito, muito pior." E era. Horrível. Tenebroso. Toda vez que escuto falar em Stephenie Meyer, tenho que me controlar pra não fazer o sinal da cruz - e não é por medo de vampiros. A "obra" é, como diria o Kevin Smith, horrenda, cara. Comecei a sentir ânsia de vômito toda vez que a mulher interrompia a trama para dizer que o Edward era "um Adônis" ou passar várias linhas elogiando a "pele de alabastro" e outras características do vampiro. O horror, o horror... Mas, como já disse antes, não vou ficar esculachando a "saga" Crepúsculo, porque todo mundo já esculachou e piadas sobre os livros já perderam a graça. Contudo, ainda dei uma chance ao filme. Afinal, o Tubarão do Peter Benchley é a ruindade condensada em forma de livro (a Ellen Brody é uma dona-de-casa frustrada e vadia que acaba tendo um caso com o Hooper; Martin Brody é um xarope fracassado; o Quint morre, literalmente, como o Ahab e o tubarão não morre numa explosão, mas sufocado pelas cordas arpoadas pelos "heróis"), mas serviu de base para o Spielberg fazer um filmaço.

Acima: "O Oposto do Tubarão do Spielberg"
"Crepúsculo - O Filme", é, como todo mundo sabe, péssimo. Mas ainda tenho uma coisa positiva a dizer sobre a adaptação: ela só dura aproximadamente 100 minutos. É bem menos dolorosa do que tentar ler o livro. Infelizmente, não é o tipo de porcaria que merece uma resenha prolixa. É simplesmente um filme ruim de uma maneira bastante banal. É tedioso e desinteressante. A reação que ele provoca é, simplesmente "Putz, que negócio chato. Como é que alguém se diz fã desta merda?" Não é de uma ruindade como, por exemplo, o Dracula vs. Frankenstein do Al Adamson, que te faz exclamar "Cacete, como isso é ridículo! Calma aí, isso é uma piada? Não é um video caseiro? Esse negócio saiu no cinema? Eles acharam que alguém ia engolir esse mané com pó-de-arroz como Drácula? A maquiagem do monstro de Frankenstein é feita de mingau estragado? Pessoal, venham ver isso!" Paciência. Daqui a vinte, trinta anos, as meninas que encheram o bolso da autora de Crepúsculo vão criticar o gosto literário dos filhos e mentir que "no meu tempo, não tinha esse tipo de porcaria." Normal. Toda geração tem seu lixo cultural constrangedor. A minha, por exemplo (o pessoal que está na faixa dos 30-35 anos) pode até dizer que, "em nosso tempo", tinha Cazuza, Legião Urbana, Nirvana, Pearl Jam e Pantera. E tinha, mesmo. Mas o que ninguém vai dizer é que, antes disso, alguns de nós abraçaram um fenômeno tão asinino quanto as músicas do Justin Bieber. Um fenômeno tão popular que rendeu não só um, mas dois filmes horríveis.

O segundo tem um título tão ridículo que sempre é citado quando fazem sequência de filme ruim.
Quando digo "alguns de nós", claro que não estou falando de mim. Eu sempre fui cool e tive um gosto impecável. Nem a pau eu cai na besteira de tentar o breakdancin'.

"Nem eu!", exclama o Vin Diesel. "Ei, quem colocou essa porcaria aí? Não sou eu, cara. É... meu primo... Von Diesel."
Hahaha, o Vin Diesel se ferrou. Eu, pelo menos, tive o bom-senso de não deixar ninguém me fotografar ou filmar tentando dançar break. Digo, nunca tentei dançar break. E as meninas de "minha geração" também têm teto de vidro quando se trata de mau gosto. Se não fosse por elas, os New Kids on the Block não teriam levantado dinheiro para pagar segurança e acabariam, inevitavelmente, assassinados por bullies. E o Marky Mark Whalberg teria sido preso na primeira vez que decidiu baixar as calças em público.

Enfim, para encerrar essa embromação, não formei mal juízo sobre a Catherine Hardwicke com base em Crepúsculo. Afinal, Os Reis de Dogtown foi decente. E Crepúsculo é uma franquia milionária. A mulher não deve ter tido a menor liberdade, mais ou menos como fizeram com o Fincher em Alien ao Cubo. Aproveitando o ensejo: Perrone, na boa: você precisa escrever um post explicando por que não achou o primeiro filme do Fincher uma porcaria. Eu já assisti mais de uma vez e não consigo ver mérito. Minha opinião é sempre "É basicamente uma versão tosca do primeiro, só que com a Sinead O'Connor no lugar da Sigourney Weaver." Não seria o primeiro exemplo de um artista competente que faz porcaria. Lembra do primeiro filme do Cameron? Alguém, sinceramente, viu Piranha 2: Assassinas Voadoras e pensou "aposto que o cara que dirigiu este filmaço um dia vai dirigir O Exterminador do Futuro e Aliens"? Seria injusto julgar a moça com base em um único momento de ruindade. Ademais, não sejamos hipócritas: se alguém te oferecesse uma montanha de dinheiro para filmar referida porcaria, você recusaria? Eu recusaria, mas sei que nem todos têm minha integridade.

Kurt Breichen, numa realidade alternativa em que lhe ofereceram uma montanha de dinheiro para dirigir Crepúsculo
O tempo passa, estou numa locadora vendo os lançamentos em Blu-Ray e me deparo com Sequestro no Espaço (Lockout). Imagino, naturalmente, que se trate de um filme de ação fuleiro, mas, como minha reação inicial a Busca Implacável (também produzido pelo Luc Besson) foi a mesma, decido dar uma chance à obra. Fiquei surpreso: embora não seja uma obra-prima, Lockout é um filme de ação bastante divertido e bem-dirigido. Apesar de Los Angeles - Cidade Proibida, Amnésia, Mortos de Fome e Guerra ao Terror, sempre lembrarei do Guy Pearce como "aquela Drag Queen de 'Priscilla, a Rainha do Deserto' que era tão chata que até suas amigas a trancaram do lado de fora do ônibus. E ela continuou enchendo o saco!" Mas, em Lockout, ele está totalmente convincente como um badass que mete tiros, porradas e, volta e meia, solta uma piadinha hilária. Estou inclinado a acreditar que o Luc Besson é o filho perdido do Menahen Golam. Mas falarei deste filme em outra oportunidade. O outro lado da moeda é que, um dia, na mesma locadora, me deparo com a obra abaixo e penso: "pode prestar".

"Não pode", o bom-senso tentou me avisar. "Sério, cara, não toque nisso. Walk away. Just walk away..."
O bom-senso, na minha imaginação, parece com o Lord Humongous de Mad Max 2
Com a capa do filme em BD em punho, indaguei ao balconista: "Ei, este filme é uma versão 'terror' da história da Chapeuzinho Vermelho, certo?" E ele, atormentado pelo dilema "Minto ou falo a verdade e perco o emprego?", retrucou: "Eh... Não, terror não. É... tipo... suspense." E eu levo o filme. Só quando chego em casa é que minha mulher observa, com um olhar de asco: "Deve ser um lixo. É da mesma diretora de Crepúsculo." E eu (que não tinha notado isso) tento, como o Michael Cera diante da identidade falsa do McLovin, ser otimista: "Mas... Isso não quer dizer que seja péssimo, tá certo? Pode prestar, certo?" Fiquei estarrecido ao ver o filme, porque, se ele me convenceu de alguma coisa, foi a seguinte: Crepúsculo foi uma obra sofisticada demais para Catherine Hardwicke. A Garota da Capa Vermelho, o filme que ela fez quando teve maior "liberdade artística" é muito, muito pior.

A título de exemplo, o Billy Burke, que faz o papel do pai da Kristen Stewart em Crepúsculo, é um ator decente. Foi um dos poucos alentos no filme - eu ficava genuinamente aliviado toda vez que ele estava em cena, pois enfim aparecia alguém que não parecia ter tomado uma overdose de Ritalina. Em Red Riding Hood, contudo, ele, acostumado com o festival de inépcia ao seu redor, parece ter abraçado a filosofia "if the money is there, we do not care". Em todas as suas cenas, ele está com uma cara que parece ter sido alvo de uma injeção de um litro de Botox. Feliz, assustado ou triste, seu personagem (não memorizei o nome e não vou procurar saber) só tem uma expressão: a de um homem que desistiu de tentar.

E, se você (como eu, ao locá-lo) não prestou atenção no poster do filme, a mocinha com expressão de tédio permanente agora não tem mais um "interesse amoroso" pálido e apático: são dois! Cada um mais risível que o outro.


Putz... Não consigo tecer qualquer comentário que diga mais que as imagens acima...
Que raios é isso? "Anêmico com prisão de ventre" é o novo padrão de beleza masculina? E toda vez que um deles aparecia, meu único alívio era o fato de que a expressão do indivíduo me lembrava a clássica interpretação de Poker Face por Eric Cartman.


Em algum lugar da Inglaterra, Judi Dench está resmungando: "007 porra nenhuma. Eu devia ter mandado aqueles dois zumbis para jogar com o Le Chiffre. Ele não teria chance." Se alguém acha que estou exagerando, reparem que as duas imagens acima são publicidade do filme. Alguém olhou para os dois "gatinhos" com a cara de quem acabou de farejar um acesso de flatulência e decidiu que "preciso vender o filme e esta é a expressão mais atraente que conseguiram arrancar dos rapazes". Não tenho palavras para descrever como a apatia do elenco é profunda e generalizada. Cada diálogo é travado com o entusiasmo de quem está recitando o atestado de óbito da mãe. Todos os personagens parecem estar perpetuamente constipados. Após os primeiros cinco minutos, comecei a resmungar, ininterruptamente: "Puta que o pariu, que troço maçante! Até as fãs da 'saga Crepúsculo' vão detestar esta merda. Como é que alguém achou que seria lucrativo lançar isto?"

É então que surge o Gary Oldman, interpretando um padre caçador de lobisomens. Como o saudoso Peter Cushing, Christopher Lee e Michael Caine, Oldman mostra que faz parte de uma augusta elite de atores britânicos: não importa a qualidade do filme, o homem vai fazer por merecer o dinheiro que recebeu. Seja como Sid Vicious, Lee Oswald, Beethoven, o Drácula traveco do Coppola, Stansfield ou o Comissário Gordon, Oldman sempre brinda o público com uma interpretação fantástica. E Red Riding Hood não é exceção. Isto torna o filme melhor? Não, muito pelo contrário: a interpretação do Oldman, como uma ilha de profissionalismo cercada por um oceano de picaretagem, só logra chamar atenção para o fato de como o resto do elenco está péssimo. E seu personagem faz uma surpreendente revelação: lobisomens não permanecem sempre na forma de lobos. Eles se disfarçam de humanos! E todo mundo fica fascinado com tal notícia! Sinceramente, se ninguém sabia disso, por que chamavam o bicho de lobisomem? Se ele náo fosse um humano que se transforma em lobo, não seria só "lobo"? Será que, a despeito das aparências, a história não se passa na Idade Média,, mas nos dias de hoje, numa comunidade "alternativa" tipo o pessoal de A Vila? E todo mundo leu o excelente Wolfen, de Whitley Strieber, e considera tal obra pesquisa científica? Sei lá. Não me importa. O que realmente importa é que, a certa altura do filme, a "heroína" se vê cara a cara com o lobisomem. E é aí que Hardwicke traz sua "inovação" à lenda do homem-lobo: o monstro consegue se comunicar telepaticamente com a mocinha!

Assim como Crepúsculo tornou vampiros ridículos com a novidade do "brilho à luz do sol", A Garota do Capuz Vermelho torna os lobisomens ridículos com sua capacidade telepática. Mas o pior de tudo é que tal inovação já havia sido criado pela Stephenie Meyer. O que demonstra que a Catherine Hardwicke, quando teve a liberdade de dirigir uma obra original, decidiu que a melhor opção seria fazer um plágio inferior da "Saga Crepúsculo"! E foi neste momento que eu dei um tiro na televisão, quebrei toda a mobília de minha casa, descobri que tinha poderes telecinéticos e saí a pé pela cidade, destruindo tudo que cruzava meu caminho. A sério, foram poucos os filmes que não aguentei aturar até o fim. De cabeça, posso citar A Jurada ("Porra! Este filme é, basicamente, uma versão mais cara e inferior de Tribunal sob Suspeita! E a única virtude da Demi Moore é ser gostosa!") e Frankenstein de Mary Shelley (que, hoje, acho decente, mas, quando vi no cinema, fiquei tão constrangido com os exageros melodramáticos que acabei saindo na metade do filme). Red Riding Hood é um deles. A diferença é que (ao contrário do Frankenstein do Branagh), jamais darei uma segunda chance a este filme. Nem uma terceira chance à Catherine Hardwicke, que só comprovou que Dogtown foi bom por acidente. Não vejam este filme. Se meus comentários deixarem a impressão que se trata de algo "tão ruim que é cômico", descartem tal impressão. O filme não pode ser nem chamado de trash, pois conta com uma produção luxuosa, embora tenha aparência bastante genérica. Trata-se simplesmente de uma obra medíocre e enfadonha. Completamente desinteressante. Não funciona nem como comédia involuntária. Se, algum dia, A Garota da Capa Vermelha estiver ao seu alcance e você cogitar assistir...

Walk away! Just walk away!