sábado, 17 de novembro de 2012

"Soldado Universal 4": Day of Reckoning indeed!


No bom sentido: What the FUCK?! Eis o tipo de filme que raramente encontro: não só atendeu às minhas expectativas, como as superou de forma completamente inesperada. Nunca fui fã da série Soldado Universal. Gostei do primeiro, achei o segundo uma porcaria e só revisitei a série ao ver Regeneração, que muito me agradou. Trata-se de um filme de ação que segue uma premissa manjada, mas supera a fórmula pela excelente execução levada a cabo por John Hyams, que se mostrou adepto da filosofia de que cenas de luta devem ser bem coreografadas e filmadas de forma inteligível. Antes de ver Soldado Universal 4: Juízo Final, eu esperava algo semelhante: apenas um filme de ação extremamente bem-dirigido. Para minha surpresa, encontrei um dos filmes de luta mais audaciosos, criativos e autorais que já vi. Meu amigo Ronald Perrone (ou, como prefiro chamá-lo desde que se tornou um international man of academics, Ron Perry), do Dementia13 aduz que a obra parece um filme de ação dirigido por Gaspar Noé. Ao ver o filme, fiquei com a impressão de que uma experiência genética criou um híbrido de Lucio Fulci, Dario-Argento-no-tempo-de-Suspiria e John Boorman; que referida criatura viu A Identidade Bourne e decidiu fazer algo semelhante, porém com ênfase na atmosfera onírica e na pancadaria explícita. Day of Reckoning é marcado por violência brutal, momentos psicodélicos que fazem o espectador achar que está passando por uma bad trip de LSD e um roteiro com reviravoltas que deixariam o James Ellroy orgulhoso. É um raro (talvez inédito) caso de combinação de troca de porradas digna dos melhores filmes de kickboxing da década de 80 com bizarrices que fariam o Cronenberg exclamar "That is some fucked up shit right there!" e ambições artísticas capazes de quebrar todos os dentes do Woody Allen (o que é sempre algo positivo). Para minha surpresa, o próprio Hyams citou Cronenberg e Gaspar Noé como influências. Só posso descrever o filme como porrada arthouse. Aproveitando o ensejo, deixo registrado aqui, desde já, que sou o titular dos direitos autorais sobre o termo. O supracitado Ron Perry e Daniel Vargas (o artista previamente conhecido como Just Daniel, do saudoso blog Nascido em 29 de Março) podem corroborar tal assertiva. Se The Zuck quiser plagiar a genial expressão que criei, já estou acobertado.


Como sempre, vou divagar antes de falar sobre a obra em análise. Ao contrário do que meus posts sobre O Cavaleiro das Trevas Ressurge ou o retardado Drácula do Coppola podem levar a crer, sou bastante progressista quando se trata de adaptações. Gosto de abordagens inovadoras de obras manjadas. Estou, mais uma vez, exibindo um tremendo teto de vidro, mas encontrei virtudes, por exemplo, no picareta The Amazing Spider-Man, apesar de se tratar de fruto óbvio de covardia e desejo de faturar dinheiro fácil. Sou um grande admirador do Hulk do Ang Lee. Quero dizer, obviamente, que gosto muito do filme, não que eu sou um cara de três metros de altura que admira o filme. Não entendo por que a obra é quase universalmente esculachada. Fui ao cinema esperando ver um filme-pipoca sobre um monstro verde gigante que quebra tudo e tive a agradável surpresa de me deparar com uma tragédia grega sobre um monstro verde gigante que quebra tudo. O que me emputece é condescendência do diretor com fãs do gênero a que pertence a obra. Exemplo? O Batman do Tim Burton (que se orgulha em dizer que "nunca leu um gibi"). É, claramente, caso em que o cineasta viu a fonte e pensou: "Ridículo! Meu intelecto privilegiado pode conceber coisa muito melhor!"

Quem ousaria duvidar da genialidade deste homem? Fucking douche... Mas, falando sério, eu gosto muito dos filmes do Burton. Só acho toda essa imagem de "artista atormentado" uma palhaçada.
Outro exemplo é o Bram Stoker's Dracula (sobre o qual já escrevi exaustivamente): considerando o livro de Stoker "antiquado", o diretor Francis "Carcamano Não é Mano" Coppola e o roteirista James V. Hart optaram por "abordar a história sob um novo prisma", atitude que acabou resultando em uma trama mais retrógrada e formulaica do que o original vitoriano. Ang Lee, por outro lado, olhou para os gibis do Hulk e pensou: "Esse destempero todo só pode ser fruto de um subconsciente muito fodido. Vamos explorar isso!" Ironicamente, o reboot com o Edward Norton (conforme a hilária versão resumida do roteiro) é, em síntese, o mesmo filme, só que burro e maniqueísta. As únicas virtudes da "nova versão" são a cor do Hulk e a ausência daqueles cachorros mutantes idiotas. Falando em ironia, um segundo exemplo de "inovação" que funcionou foi o Dark Shadows do próprio Tim Burton: mesmo sendo fã da novela, ele teve o bom-senso de perceber que um remake "sério"  seria completamente ridículo e fez um misto de homenagem e paródia. E, apesar das piadinhas que já soltei, gostei muito de todos os filmes da "Trilogia Dark Knight" do Nolan e os considero excelentes adaptações, mesmo com toda a pretensão do diretor (citar Dickens e indicar Heat como inspiração é forçar a barra).

Universal Soldier: Day of Reckoning se encaixa na última categoria. Descrever a trama é uma tarefa ingrata, mas vamos lá: a história começa com John (Scott Adkins) testemunhando o brutal (e aparentemente gratuito) homicídio de sua esposa e filha por um bando de maloqueiros liderados por Luc Deveraux (Jean-Claude Van Damme). O infeliz pai-de-família, para fechar o presente com chave de ouro, leva uma série de pancadas que o deixam em coma por nove meses. A surpresa já começa aqui: tudo indica que Deveraux, o "mocinho" dos filmes anteriores, é o vilão. O protagonista é o personagem de Adkins, que tem que carregar Soldado Universal 4 nas costas. Fui brevemente exposto ao trabalho do ator em Mercenários 2 e fiquei com uma boa impressão, que perdurou em Day of Reckoning: Adkins parece ter frequentado a mesma escola de interpretação que o Stallone, convencendo tanto nos momentos dramáticos quanto ao cobrir de porrada inimigos com o dobro de seu tamanho. A propósito, foda-se quem discordar de mim: é fato público e notório que o Stallone é um grande ator. Vai ver Copland e Rocky Balboa, seu puto ignorante. Ou, melhor ainda, vá ler a resenha do Roger Ebert sobre o primeiro Rocky: o respeitado "crítico profissional de cinema" não hesita em compará-lo a um jovem Marlon Brando. Faniquitos com leitores imaginários à parte, só posso acrescentar que fiquei inclinado a ver mais filmes com Adkins, que tem potencial para se tornar um astro.

Enfim, após nove meses (dã-Dã-DÃ! Eu falei que o filme é muito foda, não sutil) em coma, John desperta e é informado por um agente do FBI sobre a identidade do homem que assassinou sua família. Ao que parece, Deveraux, com a colaboração de seu antigo arquiinimigo Andrew Scott (Dolph Lundgren, que, em seu "batshit insane mode", interpreta o personagem como uma versão badass de pastor evangélico), está planejando uma revolução, através da "libertação" de Soldados Universais que, após lavagem cerebral, foram infiltrados na sociedade civil pelo governo, para entrarem em ação quando necessário. Emputecido, John resolve investigar o motivo do atentado contra sua família e descobre que sua história está intimamente ligada à "revolução" de Deveraux, o que não é boa notícia: ele é perseguido por um encanador brutamontes que servia ao governo (Andrei Arlovski, o vilão de Regeneration), mas, após uma intervenção química do Dolph, passa para o lado de Deveraux e, sabe-se-lá-por-que, está determinado a assassinar nosso herói, atitude que resulta numa perseguição automobilística mais destrutiva do que o Eri Johnson tentando ser engraçado e uma luta numa loja de artigos esportivos capaz de chocar qualquer fã de splattermovies italianos da década de 80. Em meio a toda a bagaceira, John começa a perceber, gradualmente, que suas memórias e identidade podem não corresponder à realidade.

"Isso dói, porra!"
Se a síntese foi concisa demais, confesso que tive que me conter para não estragar o filme: a trama é repleta de reviravoltas que vão deixar o espectador tão confuso quanto o protagonista. Felizmente, não se trata de confusão decorrente de roteiro mal-redigido. Universal Soldier: Day of Reckoning é o tipo de filme que parece sentir prazer em puxar o tapete do público. O "efeito what-the-fuck" já começa na (assustadora) sequência inicial, filmada em primeira pessoa sob o ponto de vista do protagonista. Pouco depois de dar as péssimas novas ao nosso herói, o agente do FBI, Gorman, revela que não está sendo totalmente sincero: ele envia o supracitado encanador a um motel/casa de tolerância, para chacinar o que só posso descrever como "Soldados Universais Libertados em Momento Sexy Time". O confronto é de uma brutalidade extrema e inclui preciosidades como tiro de escopeta arrancando metade da cabeça-de-um-Unisol-masoquista-que-estava-curtindo-pregos-sendo-martelados-em-sua-mão (literalmente; isso não é eufemismo).

"That is some fucked up shit right there!" David Cronenberg
As cenas de luta são coreografadas, filmadas e editadas com excelência, mostrando que o Hyams filho é muito mais competente do que o Soldado Universal: Regeneração (meu primeiro contato com o diretor) leva a crer. Sem exageros: a última vez que vi cenas de luta que me deixaram com tamanha sensação de estar participando da truculência em exibição foi no subestimado The Hunted, do mestre William Friedkin. Outras bizzarrices incluem o hilário momento de pregação "abram-seu-coração-para-Luc-Deveraux" do Dolph Lundgren, a luta entre Adkins e o Pitbull Arlovsky numa loja de equipamentos esportivos, a luta entre o Dolphão e o protagonista (que mostram que Andrew Scott [ou, mais provavelmente, seu clone, já que o personagem foi vítima de um fatal e inequívoco tiro na cabeça no último filme] pode ter mudado de lado, mas continua mais doido que a porra - seu "That's the spirit, soldier!" é hilário).

COMÉDIA!
Tudo conduz ao combate final entre John e um Deveraux-com-pintura-de-guerra que (não fui o primeiro a notar) remete ao Coronel Kurtz de Apocalypse Now e a (aparentemente sem sentido, mas surpreendentemente lógica) vingança no final do filme.

"Bonasera, what have I ever done to make you treat me so disrespectfully? If you'd come to me in friendship... Ooops! I mean the horror... the horror..."

Tenho que aproveitar a ocasião para fazer um comentário que é de mau-gosto até para meus padrões: Jean-Claude Van Damme é um dos poucos casos em que abuso de tóxicos e subsequente envelhecimento precoce fizeram bem ao ator. Compare o Deveraux de Day of Reckoning com o herói do primeiro filme da série e veja qual dos dois é mais ameaçador. Já tinha notado isso no Universal Soldier: Regeneration e em Expendables 2, mas agora formei, definitivamente, juízo sobre a aparência do cidadão: o Van Damme está acabado, porém muito mais convincente como badass. E o final do filme deixa ampla margem para sequências sem parecer caça-níqueis.

Após ver Day of Reckoning pela primeira vez, achei que o filme acabaria na mesma situação que o Hulk do Ang Lee: esculachado e/ou ignorado por oferecer mais do que o público esperava. Curiosamente, isso não aconteceu - o filme chegou a um estarrecedor 88% no tomatometer e a maior parte da "crítica profissional de cinema" está elogiando o filme e a ambição de Hyams. Talvez eu esteja errado e a humanidade realmente não mereça um cataclisma nuclear que vai nos fazer regredir à Idade da Pedra. Minha sugestão, portanto, é que você veja o filme imediatamente. Agora! Vai, porra!

6 comentários:

  1. Corroborando então. E o tal termo criado pelo ilustre escriba, é simplesmente genial e define bem o que é o filme.

    E "Soldados Universais em momento Sexy Time" foi ótima!!! HAHAHAHA!!! Bela resenha!

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    1. Valeu, Perry. Sem boiolagens: vindo de você, o elogio significa muito. Quanto ao "momento Sexy Time dos Unisols", a cena na casa de tolerância é, literalmente, foda. Antes do Arlovsky chegar lá e esculhambar com tudo, minha reação foi: "Arrá! Soldado Universal também gosta de um bem-bom!" Depois da intervenção do encanador cockblocker, constatei que "não é à toa que o Deveraux está fazendo uma revolução: nem na hora de dar uns pega o governo deixa os caras em paz." É como um douchebag que maltrata seu pitbull para torná-lo agressivo pra cacete e depois fica surpreso quando se torna vítima da agressividade do bicho.

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  2. Ola gostaria de saber se vc não quer fazer uma parceria,eu colocaria seu link no meu blog,e mue blog é novo ainda e gostaria de divulgalo.
    www.filmessegregados.blogspot.com
    valeu!

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  3. Não podia ver critica mais inteligente e explicativa que essa!
    Sem brincadeira! eu assisto muitos splattermovies e trash mas esse filme tem cenas de deixar qualquer fã de violência gratuita querer aprender a lutar igual ao Adkins(melhor ator de artes marcias da atualidade na minha opinião).
    Não gostava muito de Universal Soldier mas depois desse...nossa...
    E concordo com você, o Van Damme assim como Ludgren(agora idosos) estão ficando mais fodas do que nas suas "Eras de Ouro" !
    Achei esse filme mil vezes melhor que The Expendables 2!!!
    E parabéns pelo trabalho! ótima Resenha!!!

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    1. Obrigado, cara, Acho que estamos vivendo, com o perdão da frescura, um renascimento do cinema de ação porque há uma geração de diretores em atividade que, por um lado, tem ambições artísticas e, por outro, cresceram nos anos 80/90, vendo filmes de ação casca-grossa dirigidos por gente que sabia o quanto a violência bem coreografada contribui para o resultado final do produto. "Soldado Universal 4", em minha opinião, é um exemplo inédito desse fenômeno: combinação perfeita de "ambição artística com A maiúsculo" e conhecimento de que um filme de ação precisa de violência palpável e coreografia competente (sem porra de shakycam e CGI) para gerar impacto. E o Scott Adkins é muito foda mesmo. Esse cara tem futuro.

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  4. Acabei de assisitir, fiquei de boca aberta com o enredo, pqp!
    Esperava a canastrice de Van Damme e Lundgren.
    Mas fiquei muito surpreso com as reviravoltas e com o final (que foi muito bem bolado, usar a arma que o governo criou contra ele mesmo).
    Parabéns pela resenha, tirou as palavras da minha boca. Queria poder discutir mais sobre o filme mas to caindo de sono agora. Só vim dar uma fuçada na net pra ver o quais eram as críticas (que ao meu ver NÃO poderiam ser ruins pq o filme é muito bom!

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