domingo, 12 de agosto de 2012

Meu Novo Herói

Há alguns anos, ao discorrer sobre minha inexplicável paixão por Terminator Salvation, acabei lamentando, saudoso, pelo desaparecimento quase que total de filmes de ação em que os homens eram homens e as mulheres eram gostosas e andavam no banco de passageiros. E a última assertiva não é machista - determinada opinião sobre gêneros não é preconceitusoa quando baseada em fatos cientificamente comprovados. Onde estavam aqueles protagonistas que sentavam a porrada sem nenhum conflito psicológico e me faziam pensar "Puta que o pariu! Quero ser igual a esse cara quando crescer"? Por que, de nove em cada dez filmes de ação que são lançados, o "artista" não convence que seria capaz de derrubar a mim com uma pancada, quanto mais o vilão? Por que, quando vejo um desses intrépidos heróis utilizar uma arma de fogo com sucesso, penso "Bullshit. Só o coice teria feito esse mané cair"? Por que (ao invés de Charles Bronson, Burt Lancaster, Gregory Peck, Roy Scheider, Franco Nero, Maurizio Merli ou... putz... vá lá, até aquele cara do Manhunter, cujo nome não me recordo agora, mas era massa e acabou no CSI) o herói de ação contemporâneo, com raras excessões (e.g., Jeremy Renner), lembra menos aquele sujeito que você teria medo de abordar (em razão  de sua eterna carranca ou expressão de melancolia ensejada pela desilusão com a brutal realidade que o cerca) e mais o Rauã, aquele metrossexual que passa todo o tempo livre na academia, mas não duraria cinco minutos num canteiro de obras? POR QUE A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL REJEITA A SUPREMACIA DO BIGODÃO BADASS?!

Recentemente, vi Busca Implacável (Taken) e A Perseguição (The Grey) e cheguei a três conclusões: 1) as distribuidoras não tem a menor criatividade na hora de elaborar títulos nacionais para filmes de ação; 2) Narc não foi um engodo; e 3) ainda há esperança. No que tange ao primeiro quesito, tenho que admitir que não foi exatamente a primeira vez que tal peculiaridade me ocorreu, de modo que só cheguei, de fato, a duas conclusões. Falarei sobre o item 2 posteriormente, quando abordar The Grey. O terceiro quesito, contudo, foi espantoso. Eis o o cara hardcore que finalmente me trouxe algum alento:

Isso mesmo: o Schindler. Liam Neeson foi o protagonista plausível que restaurou minha fé no cinema de ação contemporâneo. O ator que interpretou o Jedi debilóide Qui-Gon Jinn me fez parar e exclamar, perplexo: "Esse cara é muito foda!"

"Peraí", um leitor atento poderia observar, "Taken foi lançado há uns quatro anos. Kurt, você é uma besta quadrada. Esse post só demonstra que você está completamente alienado do mundo real." No que tange aos dois últimos comentários, só posso mandar tal leitor ir se foder. Filho-da-puta escroto... Mas, de fato, levei bastante tempo para ver Taken, basicamente porque, quando vi a sinopse do filme, pensei: "Argh! Mais um ator decente que, chegando à terceira idade, tendo perdido o caminha verdadeiro, encontra-se em floresta tenebrosa e resolve trabalhar em filmes de ação vagabundos pra pagar as contas."

O tempo passa, eu vejo O Cavaleiro das Trevas Ressurge e lembro: "Hmmmm... Em Batman Begins, o Neesom fez papel do Ra's Al Ghul e deu uma série de pancadas convincentes num Christian Bale hipertrofiado. E foi o cara que treinou o Batman do Nolan. Tinha esquecido essa." Intrigado, decidi dar uma segunda chance à idéia de "Liam Neeson - Action Hero". Vi Taken e minha impressão foi "Caralho! Esse filme é muito massa. O cara realmente convence." Mas foi The Grey que tornou o irlandês meu novo herói e role model - um homem solitário, amargurado, deprimido, sem razões para viver após perder tudo que dava sentido a sua existência, mas capaz de encontrar dignidade e redenção matando lobos na base do baculejo (e a última parte, surpreendentemente, não é uma metáfora). Elucidarei tal constatação com mais um (ou talvez mais de um; vou decidir à medida que for escrevendo) post interminável.



Comecemos por Taken. A máxima de que "brevity is the soul of wit" (algo como "concisão é a alma da sagacidade") pode ser uma armadilha. No caso em tela, graças a tal máxima, li a trama do filme (em síntese: "espião aposentado é forçado a voltar à ativa quando sua filha adolescente é raptada por traficantes de escravas sexuais"), pensei que era mais uma baboseira cheia de clichês (mais especificamente, fiquei com a impressão que o Liam Neeson estava tentando embarcar na onda do "geriaction") e descartei imediatamente. Ocorre que Taken só é cheio de clichês quando analisado de forma muito superficial. Tome-se o personagem do Neeson, Bryan Mills. À primeira vista, o cidadão é um lugar-comum encarnado: espião aposentado, tentando se aproximar da filha adolescente e enfrentando sérias dificuldades, que incluem uma ex-mulher dondoca e (em minha opinião) bastante escrota (a menina é mimada pra caralho, graças à genitora) e a concorrência de um padrasto milionário. Tipo de história que já era manjado quando John McClane fez sua visita ao Nakatomi. Mas, como diz outra máxima, Deus (ou o diabo, conforme a versão) está nos detalhes. Impende examiná-los.

Em primeiro lugar, o Mills não é o tipo de personagem que está too old for this shit: fica evidente que ele gostava bastante e sente falta da profissão, como se pode inferir de uma cena, no início do filme, em que o véio faz um churrasco com amigos e ex-colegas de espionagem. Também fica evidente que ele não foi o pai ausente típico do gênero: a filha do rapaz é um patricinha, sem dúvida, mas sua relação com o protagonista é bastante carinhosa e saudável. Foi tal relação, aliás, que o fez largar a espionagem: o filme deixa claro que todo mundo sabe (e entende) que ele se aposentou para poder passar mais tempo convivendo com a manceba (não sei se isso é uma palavra, mas se temos uma "presidenta", eu me reservo o direito de escrever "manceba". Não vou olhar no dicionário, nem, se for o caso, corrigir. Você não pode me obrigar.). E surpreendentemente, o padrasto (Xander Berkeley, o Waingro original) da menina não é um pentelho intragável. Ele é podre de rico e não hesita em dar à enteada presentes muito além das posses do pai biológico, mas em momento algum fica a impressão de que faz isso para tentar sacanear com este: a relação entre os dois é civilizada e, quando finalmente chega a hora do baculejo, o postiço não cria confusão, não tenta meter o bedelho onde não entende e colabora. O problema é a mãe da moça (Famke Janssen, que continua altamente comestível), que mima a menina e ainda guarda ressentimento do ex-marido ausente - noutro giro verbal, mesmo tendo morrido no terrível X-Men do Brett Ratner, ela ainda acha que é a Dark Phoenix.


A merda toda começa quando a pirralha, Kim (Maggie Grace), resolve viajar para Paris com uma amiga de... patricices... eu não sei o que adolescentes ricas fazem hoje em dia. Lêem Crepúsculo, Hunger Games e escutam Justin Bieber? Sei lá. Enfim, a mãe não faz objeção, mas a jovem é menor de idade e, portanto, precisa de autorização do pai para viajar. Mills, que bem sabe, graças a sua vida pregressa, que o mundo é um pesadelo cheio de coisas assustadoras, não gosta muito da idéia, mas acaba cedendo, graças a muita manha da garota e manipulação sacana da ex-mulher. Tarde demais (quando está deixando a filha no aeroporto), o bem-intencionado cidadão descobre que a menina não está embarcando numa inocente jornada destinada a enriquecer sua bagagem cultural com tudo que Paris pode oferecer: o verdadeiro objetivo da pentelhinha (com a conivência da mãe) é seguir o U2 numa tour pela Europa. Este é, sem dúvida, o momento mais implausível do filme. Ainda existem adolescentes que escutam o U2? O Bono ainda não se aposentou para se dedicar em tempo integral a fingir que se preocupa com causas humanitárias e tentar convencer todo mundo que não é, como foi cabalmente demonstrado por Matt Stone e Trey Parker, um excremento em forma de gente? Eu não engoli. Aparentemente Luc Besson e seu co-roteirista, Robert Mark Kamen, ainda vivem num universo alternativo onde a cultura pop é a mesma dos anos 1980 e 90. Só que, infelizmente, sem Nirvana e Pantera. Mas eu divago. O importante é que Taken deixa, aqui, uma lição importante: ouvir as merdas do Bono pode ser uma caminho sem volta a um destino pior que a morte. Retornemos à narrativa.

Chegando em Paris, as duas (em especial a amiga de viagem da Kim, Amanda), começam a sacanear. A filha do protagonista, descumprindo tudo que havia acordado com o pai (ligar assim que chegasse no aeroporto, depois que chegasse na casa aonde vai ficar [supostamente com primos da Amanda] e todas as noites antes de dormir). Vá lá, eu já fui adolescente, entendo que é um saco ficar enviando relatório aos pais sobre cada passo dado, mas, mesmo assim, sacanagem. Na fila para pegar o táxi, as duas aceitam rachar a condução com Peter, um jovem francês mais suspeito que uma prostituta com pomo-de-adão. Como raios ele sabia que o trajeto das duas coincidia com o dele? Nenhuma das duas falou. Ele pediu para dividir o táxi sem nem perguntar aonde elas estam rumando. Normalmente, eu consideraria isso um buraco no roteiro: é óbvio que as duas deviam desconfiar. Mas sejamos realistas: meninas adolescentes costumam ser otárias pra caramba (elas lêem Crepúsculo, The Hunger Games, escutam Justin Bieber e, neste caso específico, acompanham a turnê do Bono). É perfeitamente verossímil que tenham caído na lábia do sujeito infra. E agora ele sabe onde elas estão. Este indivíduo:

Presume-se que as meninas não viram O Albergue.

Entrementes, Mills está atormentado, já que (conforme verificado em ligação à companhia aérea), sabe que o vôo da filha já chegou e esta, ao contrário do prometido, não ligou. Depois de muito remoer, ele liga para a pimpolha. Esta já está na casa dos primos da amiga (os quais foram para Barcelona, com conhecimento prévio da tal Amanda, deixando as duas sozinhas) e o Mills, compreensivelmente, está dando um puxão de orelha na filha quando esta vê, pela janela, um bando de caras invadirem a casa e atacarem sua amiga. Percebendo o que se passa, entra em funcionamento, com fantástica eficiência, o spy mode do Mills, que conecta o celular a um gravador, instrui a filha a se dirigir ao dormitório mais próximo e se esconder embaixo da cama. Após o cumprimento das ordens, o espião aposentado explica à desaconchegada jovem que 1) ela vai ser, inevitavelmente, levada; 2) que deixe o celular em posição onde ele possa escutar o que está se passando; e 3) que ela terá um lapso de 5 a 10 segundos para gritar a descrição física dos invasores.

Os bandidos chegam ao quarto, carregam a menina - que grita o que consegue ver ("1,80m, barba, tatuagem na mão direita, lua e estrela"). Em seguida, silêncio. Pelo barulho de respiração, Mills percebe que que um dos sebosos pegou o celular da menina e resolve fazer uma proposta. E ocorre o já manjado monólogo ameaçador (que acabou se tornando, editado, parte do poster do filme), é recitado de forma fodasticamente badass pelo irlandês:


"Eu não sei quem vocês são. Eu não sei o que vocês querem. Se querem resgate, aviso que não tenho dinheiro. O que eu tenho é um conjunto muito especial de habilidades. Habilidade adquiridas durante uma longa carreira. Habilidades que me tornam um pesadelo para gente como vocês. Se vocês libertarem minha filha agora, a história acaba aqui.  Eu não vou procurá-los. Não vou perseguí-los. Mas, se vocês não libertarem, eu vou procurá-los. Eu vou encontrá-los. E eu vou matá-los."

Resposta do bandido (tomando a pior decisão de sua vida): "Boa sorte."

E Bryan Mills (a partir deste parágrafo, SPOILERS, para quem ainda não viu o filme. Também para quem ainda não viu o filme: vá assistir agora. Sério. Veja o filme e depois volte aqui.) passa o restante da duração do filme fazenda exatamente o que ele ameaçou fazer: ele procura, encontra e mata os  sequestadores.

Sua primeira atitude é entrar em contato com o colega de espionagem Sam (Leland Orser, que já vi em vários filmes, mas não consigo lembrar de nenhum), que analisa a ligação telefônica gravada e chega às seguintes conclusões: os sequestradores são albaneses que sequestram turistas, viciam-nas em drogas e as tornam escravas sexuais (geralmente prostitutas, mas há excecões); o cara com quem Mills falou se chamava Marko e provavelmente é oriundo de uma cidade chamada Topoja; e, a partir do rapto, Mills tem uma janela de 96 horas para achar a garota ou nunca mais encontra-la novamente.

Com a ajuda do padrasto da menina (que, como já referido, é podre de rico e providencia um vôo particular), o inconformado genitor da patricinha em perigo chega em Paris. Lá chegando, Mills consegue entrar na casa onde a filha foi raptada, encontra o que sobrou do celular da menina (incluindo o cartão de memória) e, analisando as fotos gravadas, consegue descobrir uma foto das duas, tirada pelo Peter, onde é possível ver o reflexo deste num painel. Pois é, o homem sabe o que está fazendo. Então, com a sutileza de um pugilista irlandês em Paris, nosso herói resolve ir até o aeroporto, onde Peter e um colega estão observando os desembarques, em busca de novas vítimas. E é a partir daí, amigos, que o Mills começa a mostrar que não é um homem dado a procrastinação. Munido de informação, ele resolve aprofundar suas investigações de forma simples e eficaz. Eis o que acontece quando ele localiza o marginal Peter:



Lamentavelmente, o escrotinho consegue fugir e ser atropelado antes que emputecido herói consiga localizá-lo. Mills, resolve, então, solicitar a ajuda de um velho colega da comunidade francesa de espionagem, Jean Claude, que indica onde ele pode encontrar bandidos da quadrilha albanesa. Nem corre com facilidade, resultando numa perseguição que, embora sofra das tremedeiras comuns a filmes de ação contemperâneo, não é das piores (leia-se: a câmera treme, mas ao contrário do que ocorre, digamos, na abertura de Quantum of Solace, dá para entender o que está acontecendo). A cena, apesar de não ser extraordinária, tem pelo menos um "momento mágico":



Puta merda! Ele, sem nenhuma cerimônia, atropelou uma picape! Tendo resgatado uma das vítimas da gangue, Bryan Mills logra descobrir o último lugar onde a Kim foi vista. Usando o cartão de visitas do Jean Claude, ele adentra o local, fingindo ser um policial corrupto cobrando arrego (e constatando que o Jean Claude está envolvido com o esquema, é uma filho-da-puta corrupto e não é seu amigo coisa nenhuma). Lembrando-se do "boa sorte" que ouviu no celular quando a filha foi raptada, ele identifica um dos criminosos que estava presente durante o ato delituoso. O que conduz a outro momento mágico:




Por que é um "momento mágico"? Trata-se de algo sutil, quase imperceptível, mas confere um grau de verossimilança hábil a tornar a cena melhor que a média. Após identificar o bandido (Marko), mas antes de partir para o ataque, Mills, durante alguns segundos, dá uma olhada no ambiente (Analisando os arredores! Como ele ensinou ao Batman!) Quando eu vi o filme pela primeira vez, minha esposa achou meu entusiasmo com esse detalhe meio sem propósito. De fato, o Pierre Morel não é nenhum monumento à genialidade cinemtagrófica. Ele é um diretor rezoável. Mas, só por esse detalhe (que costuma passar batido na maioria dos filmes, que costumam partir, sem qualquer semblante de plausibilidade, direto para a truculência), o francês já ganha pontos. E o momento, no final do vídeo, em que ele se finge de morto por alguns segundos e consegue matar dois marginais com tal artimanha também é ótimo. É aquele tipo de coisa que me faz dizer, "No lugar dele, eu teria feito exatamente isso!"

Segue-se vários sólidos momentos do Liam Neeson quebrando o pau com admirável eficiência, até finalmente matar todos os bandidos do prédio. Menos o engraçadinho do Marko. O do "boa sorte". Referido comediante protagoniza, à mercê do espião de pijama,, a segunda cena mais famosa do filme. A cena de tortura. Porque poucas coisas me divertem tanto (e ao público em geral - não finja que não gosta, porque, se a maioria das pessoas não adorasse ver bandido sofrer, os dois Tropa de Elite não teriam sido sucesso de bilheteria) quanto ver um bandido tomar lá onde os raios solares não alcançam. O que me leva, finalmente, a chegar a uma conclusão sobre o personagem do Neeson: ele não é um "bom espião"(se é que tal coisa existe) forçado a agir de forma truculenta por amor à filha. Ele é um filho-da-puta sádico. Não comentei a cena, mas, no início do filme, quando está sendo levada ao aeroporto, a Kim tem um diálogo com o pai, no qual confessa que desde criança queria saber qual era o verdadeiro trabalho do véio, mas tinha medo de perguntar. Mills explica que não era um "espião", era um "preventor". Em outras palavras, explica, sua profissão consistia em "impedir que coisas ruins acontecessem". "Era um bom trabalho?" pergunta a filha. "Sim", retruca Mills. "Você sente falta?", questiona Kim. "Eu sentia mais a sua falta", replica o protagonista, evidenciando, em outras palavras, que sim, ele sente falta de sua atividade laborativa. Ocorre que, após o rapto da moça, o cidadão passa o tempo todo deixando claro que seu trabalho implicava em mentir, dar porradas, dar tiros, matar e (agora) torturar gente. E ele faz isso tudo na maior naturalidade. Na verdade, fica a sensação de que o Mills nem está saindo da rotina. Ele não demonstra prazer quando tem que fazer o baculejo, mas também não demonstra qualquer desconforto ou hesitação. Só ódio e, ocasionalmente, uma certa impaciência (do tipo "Porra, pare de me fazer perder tempo e diga logo o que eu quero saber!"). A cena em que tortura o Marko não foge da regra. Ao eletrocutar o rapaz, ele profere uma detalhada dissertação sobre as virtudes do fornecimento de energia elétrica na França e as dificuldades de torturar com eletricidade em países de terceiro mundo (em razão da instabilidade das redes elétricas). Em seguida, eletrocuta novamente o rapaz e (com a mesma impaciência que já mencionei) aduz que "se você não me disser o que eu quero saber, este interruptor vai ficar ligado até cortarem a eletricidade por falta de pagamento da conta". Finalmente, quando o Marko diz o que ele quer saber...



HAHAHAHAHAHAH... Isso foi muito massa! Bryan Mills é um homem que cumpre suas promessas. Mas, a sério, o Neeson é extremamente convincente como torturador. Ele não parece estar torturando uma pessoa, mas fazendo um relatório chato e impaciente com o colega de trabalho que empurras as coisas com a barriga. Tal fato conduz à seguinte indagação: como é que, trabalhando como "preventor", ele aprendeu essas "habilidades especiais"? Francamente, o Mills não me parece um sujeito que "impedia coisas ruins". Parece aqueles agentes da CIA que, nos tempos das ditaduras militares, vinha à América do Sul ensinar métodos de tortura. E ele, cumpre reiterar, adorava o trabalho. Não enferrujou nem um pouco depois da aposentadoria. A maioria dos espectadores tende a não atentar para isso (como certamente era a intenção do diretor e dos produtores), porque, afinal, o cara está tentando salvar a filha de uma quadrilha de filhos-da-puta que sequestram turistas para cafetinar ou vender como escravas sexuais (tendo a filha do Mills se enquadrado na última categoria). Mas será que, durante sua "longa carreira", ele só lidou com circunstâncias e pessoas desse gabarito?


O que nos conduz à próxima cena: sabendo quem "comprou" sua filha, mas não como localizá-lo, Mills vai à casa de seu ex-amigo Jean Claude, utilizando métodos drásticos para persuadi-lo a colaborar:



Aparentemente, o trabalho de "prevenção" inclui atirar em mulheres inocentes e indefesas. Concorda que isso é um "bom trabalho"? Sim? Então, procure um psiquiatra, porque você provavelmente é um sociopata. Não estou dizendo que isso é, necessariamente, negativo, nem impede o espectador de se solidarizar com o personagem. Meu argumento é que Neeson está interpretando um personagem mais complexo do que se pensa. Um personagem que, nem de longe é o manjado bom sujeito forçado a partir para a violência a fim de salvar um ente querido, mas, talvez, um troglodita que apela para os métodos mais extremos possíveis simplesmente por que é assim que ele resolve as coisas. O que funciona. E o espectador, em momento algum, deixa de se identificar com tal personagem.

Enfim, o puto do Jean Claude entrega tudo e Bryan Mills, após matar toda a máfia albanesa, além de alguns franceses e árabes, salva sua filha e todos vivem felizes para sempre. Menos, é claro, os caras que ele matou, mas, convenhamos, eram um bando de filhos-da-puta que mereciam. Fuck those guys.

Primeiro, vamos às críticas: o roteiro não tem nada de inovador e o Morell não é nenhum Friedkin - as cenas de ação são boas, mas ainda prefiro o estilo Napoli Violenta ou Operação França: se você elaborou uma cena de perseguição foda, filme-a de uma maneira que o espectador possa acompanhar sem ficar confuso. O diretor de Taken não entra muito na onda da shaky-cam (ou seja lá como chama essa porra), mas por pouco. Podia ser muito melhor. Se colocassem um roteiro desses na mão de alguém como o já referido Friedkin, Peckinpah ou mesmo um John Woo ou Enzo Castellari, ficaria fuderoso. Afinal, quem inventou essa merda de videoclipeiro? Ok, pergunta idiota. Resposta: provavelmente, algum videoclipeiro. Mas isso não é motivo para utilizar a mesma técnica em filmes de ação. Ora, o David Fincher era um videoclipeiro e ele não tentou usar essas baboseiras no cinema. Sinceramente, acho que o melhor filme da série Bourne foi o primeiro, porque, ao contrário dos outros dois, não foi dirigido pelo Paul Greengrass, que insiste em ficar sacudindo a porcaria da câmera em toda cena de ação. Eu gostei de Supremacia e Ultimato, mas foi impossível não imaginar que "teria sido muito melhor se deixassem essa tremedeira de lado e filmar direito, como fizeram no primeiro". Um dos motivos de eu ter adorado o "reboot"do 007 foi o fato de que, em Casino Royale, as cenas de ação foram dirigidas com total clareza - eu não precisei ficar me esforçando para entender o que estava acontecendo em virtude de supostas "sofisticações" de diretor pretensioso. Mas, ladainhas à parte, Taken não incorre muito nesse pecado. E o sotaque americano do Liam Neeson é ok, mas ele ainda se enrola de vez em quando. Podiam ter resolvido isso de forma simples: bastava inventar que o cara tinha trabalhado no MI6 e pronto: ninguém precisa mudar o sotaque. Não vejo qual seria o problema - o Sean Connery raramente tentou mudar cheu eshtilo eshpecial de falar. Mas nada demais. Então por que eu me empolguei tanto com esse filme? Simples:

Como já falei, Liam Neeson. Sem nenhuma boiolagem, o irlandês é meu novo herói. Eis um senhor adentrando a terceira idade, sem físico de marombeiro, mas que convence plenamente ser capaz de quebrar o pau sem pestanejar. Um cara que, apesar de não ter a massa muscular do Vin Diesel ou do Dwayne Johnson, possui uma voz de comando que (como observou a "crítica profissional de cinema" Isabela Boscov) consegue derrubar os dois. Um homem que, como o Daniel Craig (único 007 que digno de ser sucessor do Connery, que, naturalmente, é um exemplo clássico do homem de verdade que citei no início do texto), não suscita incredulidade quando leva uma porrada, não cai e retribui a gentileza com um chute nos bagos ou um tirambaço na cara do antagonista. Um cidadão que, como qualquer ser humano prosaico,  ama a filha, não dispensa o churrasco e a cervejinha com os amigos, mas também não pensa duas vezes antes de quebrar os braços de um cara que, apesar de ter o dobro de seu tamanho, não tem sua técnica e experiência. Enfim, um badass.

Claro que contemplei a possibilidade de esse filme ter sido uma coisa feita pelo ator só para pagar as contas. E é aí que chego ao segundo alicerce de meu novo entusiasmo por Mr. Neeson:

Continua no próximo post...


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