sábado, 18 de abril de 2009

Dracula vs Frankenstein

PREFÁCIO


Este texto foi inspirado por uma recente troca de mensagens na seção de comentários do blog FILMES PARA DOIDOS, do ilustre Felipe M. Guerra, a respeito da resenha deste sobre o filme “Tunnel Rats”, de Uwe Boll. Em meio à discussão, foi questionado o consenso, aparentemente generalizado “nas internets”, segundo o qual o Dr. Boll é o pior diretor de todos os tempos. Qualquer pessoa com algum background em cinema trash sabe que tal consenso está longe de corresponder à realidade. Leandro Caraça, por exemplo, afirmou que “Uwe Boll quando é ruim, é apenas ruim e maçante. Não chega aos pés de Ed Wood, Al Adamson, Godfrey Ho e outros deuses imortais da ruindade cinematográfica”, acrescentando, diplomaticamente, em outro post, que “me irrita esse bando de marinheiros de primeiro viagem que fica fazendo cu doce pra qualquer porcariazinha que assiste. Que mundo maravilhoso seria se o Uwe Boll fosse realmente o pior de todos. E chato também seria. Ver um filme do Adamson, do Mattei ou alguma 'turquice' do calibre de DEATH WARRIOR é uma experiência única.”


Embora discorde da opinião do amigo quanto ao nível de ruindade dos filmes do diretor alemão (em minha opinião, seus filmes nunca são maçantes), concordo que as hipérboles a respeito da sua "obra" decorrem de uma falta de conhecimento do público geral.a respeito do que realmente constitui ruindade cinematográfica. Inspirado por essa constatação, decidi contribuir para disseminar tal conhecimento. Isso vai mudar a opinião do público sobre Uwe Boll? Certamente não. Vai atrair uma nova legião de seguidores do cinema-tosqueira? Provavelmente não. Mas, pelo menos, estou fazendo a minha parte. Ademais, estou enfurnado em casa, de licença médica, com recomendações de evitar fazer qualquer coisa desgastante (isto é, produtiva, como trabalhar ou estudar) e, portanto, com muito tempo livre nas mãos. Nunca achei que chegaria a tal conclusão, mas jogar videogames, ver filmes e ler gibis e livros de terror tornam-se atividades bem menos interessantes quando deixam de ser passatempo e passam a ser sua principal ocupação. Descobri, entretanto, que escrever longos textos sobre filmes de qualidade repreensível é terapêutico, relaxante e proporciona uma ilusão de produtividade.


A escolha da obra a ser analisada não foi difícil – o cineasta estava entre os citados por Caraça e, devido a minha paixão pelos filmes da Universal e da Hammer, “Drácula vs. Frankenstein” me pareceu uma opção óbvia. Além do mais, eu já havia visto esta porcaria há muito tempo, lembrando o suficiente para saber que se tratava de uma bomba completa, mas não o bastante para tornar a reprise uma experiência desinteressante.


A princípio, minha idéia era fazer uma resenha sucinta desta “obra”. Afinal, é extremamente cansativo (tanto para mim quanto para o leitor) submeter cada cena de um filme a análise, ainda mais quando o filme em questão é uma bomba deste naipe. Acabei, contudo, me deparando com dois problemas incontornáveis. O primeiro é que é muito fácil resumir os defeitos de “Drácula VS. Frankenstein”. É muito simples, por exemplo, dizer que o roteiro é cheio de buracos, que o elenco é péssimo, que a produção aparenta ter sido financiada com o troco do pão, que o ator que interpreta Drácula é, provavelmente, o menos convincente da história da humanidade; que o monstro de Frankenstein tem qualidade inferior à maioria das fantasias de Halloween. O segundo problema é corolário do primeiro: nenhuma dessas críticas é suficiente para dar ao leitor uma noção da declaração de amor à inépcia que é “Drácula vs. Frankenstein”. Muitas são aplicáveis a uma inúmeros filmes ruins. Em qualquer locadora é possível encontrar, facilmente, vários títulos compatíveis com tais críticas. Pouquíssimos, contudo são capazes de provocar no espectador algo mais intenso que irritação e uma sensação de perda de tempo. Poucos são capazes de encontrar seu lugar naquela elite, enterrada vários metros abaixo do fundo do poço, composta por obras caracterizadas por uma ausência de virtudes tão absoluta, uma ruindade tão transcendental que, paradoxalmente, as torna fontes de entretenimento, embora por motivos bem distintos dos almejados pelos cineastas. Acabei por concluir, portanto, que só um estudo analítico do filme é capaz de lhe fazer justiça e identificar o que o torna especial. Isso e minha propensão à prolixidade quando o assunto é bobagem.


Adentremos, pois, o fantástico mundo de Al Adamson e de “Drácula vs. Frankenstein/Blood of Frankenstein/Blood Seekers/Satan's Bloody Freaks/Dracula vs. Frankenstein/Revenge of Dracula/Teenage Dracula/ /They're Coming to Get You“. Isso claro, se alguém tiver interesse em ler esta besteira.


A OBRA


Só um comentário preliminar sobre os créditos: Forest J. Ackerman? Consultor técnico? Pode-se dizer que Forry Ackerman era o proto-nerd, o avô espiritual de toda uma geração de geeks com fetiche por terror e ficção científica. O homem que criou a expressão “sci-fi”. E ele foi “consultor técnico” deste estrupício? Isso que é um amigo da porra. Só posso imaginar duas possibilidades: Ou ele tinha alguma birra com Adamson e fez o possível para esculachar qualquer potencial que o filme tinha de prestar (o qual, diga-se, já era escasso) ou ele passou o filme todo sugerindo bobagens só pra sacanear, e depois de ver o produto final: "Puta merda... vocês achavam que eu estava falando sério?" Por outro lado, ele também participou do "fantástico" Vampirella. Então, talvez eu tenha uma percepção equivocado sobre o bom senso da figura. Afinal, ser um entusiasta de terror/fantasia/ficção científica não é, nem de longe, sinônimo de sanidade, bom senso ou bom gosto. Caso contrário, como se explica aqueles cidadãos que montaram acampamento pra ver as “pré-sequências” de Star Wars ou aqueles que se fantasiavam de personagens do Senhor dos Anéis para ver as sessões de meia-noite dos filmes?. Sem falar nos trekkies... Sem querer ofender ninguém, claro. O importante é ser feliz.


O filme começa em um cemitério. Mais especificamente, o Oakmoor Cemetery. Como sei disso? Porque a câmera, após um rápido panorama do ambiente, foca uma placa que diz "Oakmoor Cemetery", em letras tão exageradamente góticas que eu tive que passar uns dez segundo para entender que o nome estava em inglês. Eu não tenho experiência com gestão de cemitérios, mas entendo que toda a idéia por trás do ambiente é, basicamente, transmitir um clima de paz e tranqüilidade, a fim de consolar os parentes dos falecidos que lá jazem. Por que raios alguém vai construir um cemitério e colocar, logo na entrada, uma placa que parece dizer “isso é cenário de filme de terror”? A não ser que seu ente querido seja um vampiro, um lobisomem, uma múmia egípcia prestes a ser ressuscitada, o Javutich, o Jason ou o monstro de Frankenstein, duvido que alguém vá escolher um lugar como esse para o seu descanso eterno. E até agora não entendi o que significa esse “OS” em cima da placa. Será que o pessoal esqueceu que “cemetery” começa com “C”? Será que Al Adamson tinha o dom de clarividência e previu que, alguns anos mais tarde, um escritor chamado Stephen King lançaria um best-seller, cujo titulo contém a palavra “cemetery” grafada incorretamente, e deixou aqui uma pista de seus superpoderes para a análise de gerações futuras? Será que se trata simplesmente de uma produção fuleira e ninguém prestou atenção? Você decide.



Continuemos. É noite de lua cheia (para ser franco, a lua mais me parece um lâmpada incandescente, mas não deixemos esse tipo de detalhe macular o clima). Enquanto passeamos lentamente pela necrópole, o vento uiva e cães latem, contribuindo para a atmosfera tétrica da cena (na verdade, é só um cachorro, provavelmente o totó que alguém da produção levou ao set, entediado com toda a situação e sentindo falta dos velhos e bons tempos do canil municipal). De repente, deparamo-nos com um indivíduo suspeito (expressão meio redundante, no contexto; afinal, qualquer pessoa que esteja em um cemitério no meio da noite e não seja o vigilante noturno é, intrinsecamente, suspeita. A não ser, claro, que se trate de um adolescente gótico escrevendo poemas sobre a beleza da escuridão e o vazio existencial, hipótese em que sua situação não é suspeita, apenas risível.), que parece estar abrindo um caixão. Vemos, chocados, o conteúdo do ataúde:


Um boneco de gesso ou isopor com uns tufos de cabelo ruivo! Um calafrio percorre nossa espinha diante desta indizível abominação. O vigilante noturno, provavelmente atraído pelos latidos do canino entediado, se aproxima, e indaga, sem muito interesse, “Quem está aí?” Essa técnica de investigação deixa evidente por que nosso amigo acabou se tornando vigilante de cemitério, e não secretário de segurança pública. Parceiro, se tem alguém aí, pode ter certeza que ele não vai responder, mas ficará grato pelo alerta.


Subitamente, o incauto vigilante se depara com o invasor: Frank Zappa, com maquiagem vagabunda de Halloween, capa preta e uma daquelas dentaduras plásticas de vampiro que todo mundo já usou quando criança. Não, não é o Zappa. É Drácula, interpretado por um ator que Al Adamson pretendia transformar num novo ícone do cinema de terror. Senhoras e senhores, estremeçam diante de Zandor Vorkov, a nova face do horror:



Isso mesmo. Lugosi, Karloff, Price, Lee, Cushing e, agora, Zandor Vorkov. O Príncipe das Trevas não perde tempo, atacando o pobre vigilante e encarando a câmera com uma expressão de pura malevolência, conforme demonstrado acima.


Cena 2 é um parque de diversões. Uma mulher descalça desce umas escadas, vai parar numa praia onde a Bruma Assassina do Carpenter parece estar tirando férias e, de repente, dá de cara com um machado, que imediatamente decepa sua cabeça.


E agora vamos para Las Vegas de uma forma extremamente criativa e nada manjada: um passeio de carro pela Strip, até chegarmos a um cassino, boate ou seja lá o que for, onde somos brindados com uma performance de Judith Fontain, interpretada por Regina Carroll, esposa de Adamson. Alguns segundos observando os dons artísticos da moça e se torna evidente a função social do nepotismo: não fosse isso, a Regina provavelmente seria mais uma loira peituda a contribuir para a saturação do mercado de acompanhantes. A produção do suntuoso número musical da diva parece consistir na “cantora”, dois orebas de preto, três maletas utilizadas na coreografia e uma cortina dourada que o Adamson provavelmente emprestou da avó. Repare na consistência temática: a música é “I Travel Light” e a coreografia consiste num troca-troca de malas entre Judith e os dois zebas. “Quem diabos vai pagar pra ver uma merda dessas?”, pergunto-me, intrigado, e o filme logo responde: a platéia consiste em três manés de meia idade e uma senhora com cara de bibliotecária de desenho animado (incluindo óculos fundo de garrafa), que parecem profundamente desinteressados no espetáculo. Não contem com minha solidariedade, amigos. Vocês, pelo menos, estão bebendo; eu estou vendo isso completamente sóbrio.


Saindo do show, a moça recebe um telegrama do Sargento Martin, do “Bureau de Pessoas Desaparecidas” informando que “Joanie Fontaine (perspicaz, presumo que se trate de irmã dela) continua desaparecida”. Peraí... o policial se deu ao trabalho de mandar um telegrama para informar, basicamente que, “Nenhuma novidade. Ela continua desaparecida.” Será que: a) os índices de criminalidade nos Estados Unidos são tão desprezíveis que sargentos de polícia tem tempo para enviar telegramas despidos de conteúdo para familiares de pessoas desaparecidas; ou b) exposição não é o forte de Al Adamson? Mais um tópico para reflexão.


Vale referir que a cena é acompanhada por uma trilha sonora de sax rápida e alegre que, concatenada com a expressão vazia de Judith, enfatiza toda a angústia da personagem diante desse drama familiar.


Inconformada com a ausência de progresso na investigações, nossa heroína vai ver o Sargento Martin, asseverando que precisa encontrar sua irmã (Arrá! Eu sabia! Sherlock Holmes, ajoelhe-se, em reverência, diante de meus poderes de dedução!), aduzindo que ambas são órfãs e “ela só tem a mim” (mais um rompante de criatividade de nosso cineasta e dos roteiristas William Pugsley e Samuel M. Sherman). Notando que nossa heroína parece determinada a investigar o caso pessoalmente (o sargento deve ter uma percepção muito mais aguda que a minha, pois não tive essa impressão em momento algum), Martin aconselha a moça a “ficar de fora disso” e deixar o trabalho para os profissionais. Em seguida, informa: a) que a irmã dela se envolveu com um bando de hippies motoqueiros drogados; b) onde tais vagabundos podem ser encontrados; c) que mulheres que se envolvem com esse bando acabam estupradas, mortas ou vendidas como escravas; e d) que quem se envolve com os tais motoqueiros, está, subconscientemente, procurando morrer, de modo que ele não está muito preocupado. A capacidade de persuasão do sujeito é inegável: “Fique fora disso, minha senhora. Deixe esse trabalho com os profissionais, pois sua irmã provavelmente se envolveu com um bando de marginais que vão forçá-la a se prostituir, estuprá-la ou matá-la e eu nem vou me dar ao trabalho de investigar, pois tenho mais o que fazer do que ficar procurando vadias que querem morrer, como, por exemplo, escrever telegramas supérfluos. Mas você pode encontrá-los no parque de diversões perto do cais.”


Vamos ao parque de diversões, onde um casal de hippies é levado por um anão a uma casa mal-assombrada/freak show de quinta categoria, na qual encontram um cidadão de cadeira de rodas que começa, do nada, a pontificar sobre os mistérios do universo, num discurso capaz de empolgar qualquer fã de Paulo Coelho. O cidadão é interpretado por J. Carrol Naish, encerrando uma longa e frutífera carreira nesse vácuo de qualidade. “Encerrando” mesmo, pois ele faleceu pouco depois de sua participação nessa bomba. Uma coisa provavelmente não tem nada a ver com a outra, mas tenho certeza de que esse filme não ajudou. O filósofo cadeirante está acompanhado de seu capanga, Groton, interpretado por... Lon Chaney Jr! Com o perdão da vulgaridade... Puta que o pariu! Isso é deprimente. Tá certo que Chaney nunca foi um monumento à interpretação, mas... porra! O cara era limitado, mas é inegável que ele era carismático, tinha lá suas virtudes como ator (como qualquer um que viu “O Lobisomem” pode atestar) e, em determinado momento, foi o maior astro de terror da Universal (como ele mesmo gostava de dizer, foi o único ator da casa que interpretou os quatro “monstros sagrados”: Drácula, Frankenstein, a Múmia e o Lobisomem). Detalhe ainda mais lastimável é que este foi o último filme dele; Chaney estava morrendo de câncer de garganta, o que explica o fato de seu personagem passar o filme mudo.


Nosso Yoda sinistro continua com sua lenga-lenga pseudo-filosófica, concluindo com o precioso axioma: “Todas as ilusões parecem reais, ou não seriam ilusões.” Dada a riqueza e complexidade das idéias de nosso Confúcio, não é difícil imaginar por que ele está expondo suas teorias a desconhecidos em um parque de diversões vagabundo, e não em Oxford, por exemplo.


Saindo da “casa mal assombrada/freakshow”, o hippie sugere à sua namorada que se preparem para participar do protesto que vai ocorrer à noite. A moça não sabe qual vai ser o tema do protesto e seu namorado, com a capacidade de reflexão que só um rígido regime de consumo diário de cannabis pode proporcionar, diz que “também não sabe, mas deve ser divertido.” Fucking hippies...


Nosso filósofo, enquanto isso, prepara-se para realizar “mais uma experiência”. Evidente que, com toda aquela erudição, ele só podia ser um cientista. Antes de colocar sua experiência em andamento, contudo, ele insiste em declamar mais abobrinhas do tipo “a realidade é a maior de todas as ilusões” e “é com sangue humano que a ilusões futuras serão criadas”. Caramba! Esse cara está me fazendo reavaliar meus conceitos. Enfim, ele descobre um corpo de uma moça que está deitado em uma maca e aduzindo que o sangue deve estar temperado por um choque “inconcebível para a mente humana”. É impressão minha ou o pessoal conseguiu plagiar uma idéia de “Castle of the Walking Dead”? E o cara ainda tem a cara-de-pau de dizer que é o primeiro cientista que vai associar sangue com rejuvenescimento! E o Dr. Hichcock? E aquele cara de “Nightmare Castle”? Enfim, o plano do mané parece ser construir ou reconstruir um corpo humano ou algo assim. É tudo muito misterioso ou muito sem nexo, dependendo da perspectiva. Eu estou tendendo a abraçar a segunda opção. Enquanto isso, Groton está inocentemente acariciando um gatinho, mostrando que, por trás daquela fachada truculenta há uma alma sensível. Oh...


Após todo esse trololó, o Dr. Yoda tira sangue do pescoço da moça com uma seringa e o injeta no gentil Groton, que passa por uma transformação e assume um aspecto animalesco. Confiram a eficiênca da maquiagem minimalista utilizada para atingir tal efeito:


Pois é, Jack Pierce com certeza não fez a menor falta.


“Monstrificado”, Groton desce para a praia com um machado (é, era dele o machado que acertou a garota na praia, no começo do filme).


Em seu laboratório, o filósofo é confrontado por Drácula, que surge do nada e finalmente identifica o cidadão por nome: “Dr. Duryea”. Afirmando que sabe do “segredo de Dr. Duryea”, Drácula propõe uma cooperação entre os dois para a consecução de objetivos comuns. E, mais uma vez, fica patente por que Zandor Vorkov não se tornou o novo ícone do terror: o Drácula desse filme não passa de um oreba magricela de cavanhaque, com cabelo encaracolado, usando uma exagerada maquiagem branca de palhaço e com um “olhar enigmático” que sugere que o rapaz andou exagerando na vodka Natasha. Para exacerbar a situação, Adamson usa um sonoro ridículo efeito sonoro que faz com que a voz do “vampiro” esteja sempre ecoando, por menos espaçoso que seja o recinto onde ele se encontra. Francamente, se tivesse uma cena de Drácula no chuveiro (e graças a Deus não tem), o diálogo seria mais ou menos assim: “AI... AI.. AI... Ai... ai... A água está GELADA... GELADA... GELADA... Gelada... gelada...”


Após muita conversa mole, Drácula revela que o Dr. Duryea é “o último descendente do Dr. Frankenstein”. A originalidade do roteiro não pára de surpreender. Em síntese, Drácula quer que Duryea ressuscite a criatura de seu antepassado (aquele boneco de isopor ou gesso da cena do cemitério) para ajudá-lo a conquistar o mundo; a idéia agrada ao bom doutor, que, conforme expõe o Conde de forma perfeitamente natural e nem um pouco forçada, quer se vingar da comunidade científica que o desprezou (por que será que fizeram uma coisa dessas?) e, em particular, de um Dr. Beaumont, que provocou o acidente que o deixou em uma cadeira de rodas. Sentindo uma certa rebeldia no cientista e determinado a fechar o negócio e eliminar qualquer hesitação de Duryea, Drácula resolve intimidá-lo, mostrando toda a imponência de seus nefastos poderes:

Evidentemente, o cientista acaba cedendo. Afinal, seria um desatino suicida se opor a uma criatura capaz de queimar uma cortina. “E aqueles que entrarem no caminho de Drácula e Frankenstein”, exclama o conde, ameaçador, “verão um infernal banho de sangue do tipo que jamais varreu a Terra antes!” Caramba, agora eu quase me borrei de medo. Ah, e foi o tal Beaumont quem escondeu o corpo da criatura no cemitério. Vá por mim, não vale a pena entrar em detalhes. Basta saber isso.


Enquanto isso, na praia, um casal está dando uns pegas. O rapaz está tentando fazer a moça liberar e só o xaveco dele já fale o filme. Sério, o cara parece que está ensaiando para ser um híbrido de Cauby Peixoto com locutor de comercial de motel. Tamanho poder de sedução, contudo, é insuficiente para vencer a resistência da casta mocinha, o que deixa o galã severamente amuado. Todo esse instigante drama é abruptamente encerrado por Groton, que surge do nada e desce o machado. Olhando pra baixo e fechando os olhos, quase dá para ignorar que a câmera simplesmente mostra Lon Chaney dando machadadas no chão, e não no casal, como o diretor certamente queria sugerir.


Corta para o tal “protesto” mencionado pelo casal hippie: um bando de desocupados, ao som de música bem genericamente “anos 70”, sai pelas ruas, empunhando placas e faixas com palavras de ordem de uma originalidade lapidar, tais como “Leave us alone”, “Let us have our freedom” e “End police brutality”. Talvez eu esteja sendo um fascista intolerante e reacionário, mas, em minha opinião, o primeiro passo para a concretização de tais metas seria, por exemplo, evitar ficar tumultuando a rua e atrapalhando o trânsito. Só uma sugestão. É bem menos provável levar um baculejo da polícia se você não estiver fazendo baderna.


Adentramos um bar, onde rola uma festa hippie nos moldes daquela de “Dracula AD 1972”. Judith está perguntando a um cara com uma cicatriz na careca sobre sua irmã e por um tal de “Rico” (que até o momento não havia sido mencionado na história). O cidadão informa que não sabe de nada, mas logo vai para os fundos do bar e informa a Rico que tem “uma dona perguntando por ele”. Rico é interpretado por Russ Tamblyn, que vejo como um equivalente anos 50-70 do Corey Haim. Ele foi ator-mirim, astro teen na década de 50, participando de filmes como West Side Story e, na década de 60, do clássico “The Haunting”, de Robert Wise. Várias carreiras de pó mais tarde e cá está ele numa produção da Independent International, sob a direção de Al Adamson. Rico manda o careca passar um “boa-noite, Cinderela” para Judith, que toma a urucubaca e, em poucos segundos, está num total revestréiz, alucinando, dançando, cambaleando e sendo jogada de um lado para outro. Eis que o casal de hippies do parque de diversões aparece e, sem qualquer motivo aparente, resgata nossa heroína.


Enquanto isso, Dr. Duryea já está com a criatura de Frankenstein em sua mesa de operações. É fato notório que o equipamento usado por Adamson foi o mesmo utilizado no clássico “Frankenstein” de James Whale, cedido por Kenneth Strickfadden. A história oficial é que ele alugou o equipamento, mas eu me recuso a acreditar. O que, de fato, teria convencido Strickfadden a isso? Toxicomania? Será que Adamson havia seqüestrado a família do homem? Tinha fotos comprometedoras envolvendo bestialidade ou pedofilia? Ameaçou o pobre a assistir a um de seus filmes? Jamais saberemos.


Enfim, enquanto o enigmático homem da ciência trabalha na ressurreição do monstro, Drácula começa a tagarelar, com sua voz ecoando insuportavelmente, sobre como o monstro foi criado com a energia de um cometa que, esta noite, passará novamente pela Terra, completando o ciclo de vida da criatura. A prosa empolada do vampiro é pior do que aqueles as lamúrias melodramáticas de Anne Rice. Não lembro de nada dessa bobagem sobre cometa nos outros filmes da Frankenstein, muito menos no livro de Mary Shelley, mas vamos dar um desconto. Licença dramática. O interessante é que a cena permite apreciar a maquiagem da “criatura” em todo o seu esplendor e, francamente... e sei que isso é um afirmação audaciosa... acho que encontramos a PIOR criatura de Frankenstein da história do cinema. Pior do que o Blackenstein. Sinceramente, se você já viu aquelas fotos ridículas do Bela Lugosi com o que seria a maquiagem da criatura no filme de 31, pode acreditar: era preferível que tivessem optado por aquele “look”. Porra, se tivessem comprado uma daquelas máscaras de Halloween feitas de papelão pintado de verde, ficaria menos retardado. Mas não vou exigir que tomem minha palavra como a verdade absoluta. Confiram e tirem suas próprias conclusões:


Finalmente, depois de uns cinco minutos de pipocos, faíscas e do monstro quase acordando (é incrível como a ausência do saudoso James Whale na direção torna todo o funcionamento do equipamento do Strickfadden bem menos interessante e mais parecido com refugos de uma oficina), a experiência dá certo e a criatura desperta, com rugidos que mais lembram um obeso asmático depois de tentar a corrida de São Silvestre. “Dr. Beaumont”, exclama Duryea, aparentando estar ainda menos entusiasmado com sua criatura do eu, “esta noite você encontrará um velho amigo!” (Dan-dan-dannnnnnn!!!)


Em seguida, acompanhamos um cidadão de bigodinho saindo de um hospital, entrando em seu carro e dirigindo por alguns segundos. De repente, ele percebe que Drácula está no banco de passageiros! “Quem é você?”, pergunta o oreba. E o vampiro, com um tom de voz trêmulo e débil, típico de quem está sofrendo uma ressaca resultante de um porre de cinco dias de cerveja Polar (mas sem jamais perder o eco), replica com este petardo capaz, capaz de enregelar o sangue de qualquer mortal: “Sou conhecido como o Conde das Trevas. O Senhor da mansão da Corpatia. Faça a curva aqui”. Repare que é “Corpatia”, não “Carpatia”. Claro, “carpatia” também não é uma palavra, mas pelo menos lembra “Montes Cárpatos”, onde, no livro de Stoker, fica o Castelo Drácula. E... “Conde das Trevas”? Não dá nem pra dizer que o negócio é ridículo, apenas medíocre. Não tinha como pensar num título mais imponente? “Príncipe das Trevas” pode ser manjado, mas impressiona. Agora, “Conde das Trevas” passa a imagem de um aristocrata falido que sofre de fotofobia. Tipo, “Pobre Conde Leopoldo! O banco executou hipoteca do castelo dele e o infeliz está morando de favor na casa da irmã. E o coitado ainda passa mal toda vez que sai no sol. Hem-hein.”


O oreba de bigodinho vê, através do pára-brisa, que há algo indescritível no caminho do carro. E eu quero dizer, literalmente, indescritível. Voltei o filme umas três vezes e não consegui identificar que porra ele viu, porque o cameraman, aparentemente, sofre de mal de Parkinson. Pareceu ser a criatura, mas só estou achando isso porque eu sei que tem o monstro nessa história e a “coisa” pareceu um cara trôpego. Mas talvez eu esteja sendo injusto. Talvez estejamos vendo aqui os primórdios do estilo shakycam. Quem diria que Al Adamson é uma das influências do Paul Greengrass?


“Desça do carro, Dr. Beaumont”, exclama o “conde das trevas”, finalmente identificando o cidadão. Dr. Beaumont desce, e percebo que a “coisa indescritível”, de fato, era o monstro de Frankenstein, que mata o Beaumont e nos permite apreciar, mais uma vez, a arte da equipe de maquiagem do filme:



Enquanto isso, Judith acorda na cama de um tal Mike Howard, que diz que o pessoal do bar pensou que ela fosse uma policial (daí o “boa-noite, Cinderela”) e que conhecia Joanie, mas não sabe para onde ela foi. Os dois saem para a praia, onde são informados pelo hippie que resgatou Judith que encontraram um presunto sem cabeça na praia. Várias cenas de surf que nada têm ver com a história e muita conversa mole depois (Joanie tinha fantasias sobre ser uma aberração e costumava freqüentar a casa de um Dr. Duryae, que gerenciava aberrações de circo), os dois vão para a casa do Dr. Duryae, acompanhados do casal de hippies que resgatou Judith. Lá chegando, seguem instruções do Dr. Duryae transmitidas por alto-falantes, espreitados pelo “conde das trevas”, até se depararem com o Mengele senil.


Alegando que Joanie foi vista pela última vez na praia, perto da casa do doutor. (1: De onde ela tirou essa informação? Michael só falou que ela “costumava freqüentar a casa” e 2: Até agora não consegui identificar essa “proximidade” entre a casa do Duryae e a praia), Judith mostra uma foto da irmã ao Duryea, que, para a surpresa de ninguém, afirma que não a conhece. Nossa heroína, perspicaz como só uma cantora de Las Vegas pode ser, não engole essa história. Saindo da casa, o quarteto fantástico se depara com um pneu, que resulta num dos diálogos mais memoráveis do filme:


Hippie (cheio de entusiasmo): Ei, Samantha! Um pneu!

Samantha (a outra hippie): Tudo bem contigo? (acho que foi isso que ela disse)

Hippie: Mas isso tem um significado. Tudo tem um significado!

Samantha: Você está sonhando de novo.

Hippie: Ei, Samantha. Pega!


Ele joga o pneu e Samantha sai correndo atrás. Quando ela está prestes a pegá-lo, Rico e sua gangue chegam de motocicleta. Ameaçador, o perigoso bandido (pffffffffff) bate boca com Samantha, permitindo-nos inferir que eles tinham um caso, ela deu um pé-na-bunda dele e o problemático motociclista ainda não se conformou com a rejeição. Hippie (até agora não consegui identificar o nome do indivíduo) parte para a defesa de sua amada. Quando eu já estou me empolgando com a possibilidade de o hippie levar uma série de porradas, um carro de polícia aparece no beco, acabando com a diversão e suscitando uma estatégica batida em retirada de Rico e sua turma. Não sem antes deixar claro que “da próxima vez... você vai ver.”


O policial (veja só que mundo pequeno!) é o Sargento Martin. Informado por Judith que os motoqueiros atacaram Samantha, ele diz, basicamente, que não está nem aí e que “essa hippie vadia e seu namorado desocupado sabem se defender; e se não souberam, que morram”. Ele não disse exatamente nessas palavras, mas imagino que foi isso que ele pensou. Ou o que eu pensei, pelo menos. De qualquer forma, sou obrigado a tomar partido do policial. Realmente, eles não atacaram ninguém. Só ficaram de frescura e soltaram umas ameaças dignas de bully de pré-escola. O sargento também deixa claro que está igualmente desinteressado no desaparecimento de Joanie e adverte-lhe que fique longe das praias, pois há “um maníaco à solta.” No universo de Al Adamson, a polícia norte-americana e a PM de Diadema tiveram o mesmo treinamento.


Do nada, surge uma sequência em que aflora toda a genialidade de Al Adamson: uma montagem “romântica” de Judith e Michael passeando na praia, com direito a música romântica mela-cueca, close nas ondas no mar e no vôo de uma andorinha (creio eu que é uma andorinha; como diria Dr. Evil, “I don’t know animals”), pouso da andorinha, vôo da andorinha novamente, uma conversa “profunda” dos pombinhos numa colina, culminando com o casal se agarrando e partindo para o oba-oba e cortando para... uma onda quebrando na praia. Simbolismo? Pfffffffff... HAHAHAHAHAHA....


No laboratório de Duryea, o cientista está... sei lá... fazendo alguma coisa com o corpo de mais uma moça... e soltando mais um discurso incompreensível sobre a importância de suas experiências, enquanto Groton observa, horrorizado. Eu até agora não entendi qual é o plano do cientista, só que tem alguma coisa a ver com ele recuperar a capacidade de andar. Como ele vai fazer isso, só o futuro dirá (faz tempo que eu vi esse filme e não lembro muito do que acontece, mas imagino que essas experiências não vão dar em nada). De repente, Groton bonzinho se transforma no Groton monstro espontaneamente, levando Duryea a aplicar-lhe o antídoto, repreendendo-o por “ser fraco”. É, muito nobre de sua parte. Se a memória não me falha, foi você quem começou a injetar essa porcaria nele. Com isso, Groton fica tranqüilo e cai no chão, desfalecido. Francamente, o comportamento do Groton lembra menos o Dr. Jekyll/Mr. Hyde e mais um viciado em heroína.


De volta ao sexy-time, Judith, sem mais nem menos, resolve que vai deixar pra lá a busca por Joanie, decidindo que esta provavelmente está curtindo a vida e que merece “aproveitar a liberdade”. Michael, entretanto, tem uma teoria: como “tudo” que ocorreu na última semana gira em torno da casa de Duryae, este deve saber o paradeiro de Joanie e, via de conseqüência, eles devem investigar o cientista até encurralá-lo. Tudo isso é muito interessante, mas há de se indagar o que diabo é esse “tudo”. Sob a perspectiva dele, a única coisa que aconteceu “na semana passada” é que alguém deu um “boa-noite, Cinderela” a Judith e ela foi parar na casa dele, eles foram visitar o Duryae e trocaram frescuras com uns motoqueiros. A não ser que Michael seja uma versão maconheira do Batman e passe as noites patrulhando o submundo da cidade (e se for o caso, ele é muito inepto, pois não impediu uma morte em 50 minutos de filme), todo o resto da história (Drácula, a criatura de Frankenstein, os assassinatos e raptos) foge ao seu conhecimento. Ou nós podemos partir da premissa de que o roteiro foi escrito numa mesa de bar em meia-hora, e tudo faz sentido.


Um casal que não tem nada a ver com a história está se atracando num carro e é atacado pela criatura de Frankenstein (pffffffffffff), que, de lambuja, ainda levanta e vira o carro. A polícia chega. Dois policiais descarregam as armas na criatura, sem produzir efeito. Fatalmente, a criatura sai no braço com os dois policiais e mata ambos. E... caramba, tá certo que Al Adamson não tinha Yuen Wo Ping para coreografar as lutas, mas... puta que o pariu... o negócio é sofrível. Num dos policiais o monstro ainda dá uma apertada antes de jogar no chão, mas no outro ele basicamente dá um empurrãozinho e o sujeito cai, nocauteado. O cara nem se esforça. E o monstro ainda carrega alguém (um dos policiais? A garota? O cara? Não dá pra ver, pois a iluminação está horrível.)


“Investigando” a praia, Michael e Judith acham um alçapão debaixo de um ancoradouro. Sem qualquer fundamento, Michael expressa sua opinião de que Duryea é “um colecionador de humanos” que usa alguém ou “algo” (ohhh) para capturar suas vítimas.


Enquanto isso, Samantha, hippie debilóide que é, estás sozinha na praia, onde é encontrada pela gangue de Rico. Segue-se uma cena de perseguição bastante maçante, terminando com a moça sendo capturada. Após uma série de ameaças de estupro e closes cada vez maiores no rosto da moça, Groton surge do nada, desce a machadada nos delinqüentes e carrega a moça, deixando para trás um rastro de atores de segunda cobertos de ketchup. À distância, Michael “escuta alguma coisa” e vai investigar, descobrindo o colar de Samantha.


E agora é a hora da verdade! Cheio de fúria viril, nosso herói invade a casa de Duryae e confronta o cientista, exigindo ver o laboratório, seguindo por Judith. Mal sabem eles que uma surpresa desagradável os aguarda...

Adentrando o porão, nossos heróis se deparam com Joanie, presa em um caixão de vidro. Duryae se apressa em explicar que ela passou pela “mais fantástica experiência científica que se pode imaginar”, mas que “está viva e bem” (catatônica e presa num caixão de vidro?), e que ela/eles foi/foram “escolhida(o) para seu experimento” (Quem? Joanie? Judith e Michael, que invadiram a casa dele? Esse é um novo conceito de “plano infalível”), e que vai demonstrar a natureza ilusória da realidade, procedendo a mostrar Samantha seminua (finalmente a hippie mostrou sua função na trama). O “gênio do mal” preleciona que, devido ao choque que Samantha sofreu, ao ver seus quase-estupradores serem assassinados, seu sangue está “no ponto” para sua experiência. Caramba... esse plano não faz o menor sentido. De que porra esse imbecil está falando? Mas, enfim, ele pretende matar Samantha e Michael para induzir o mesmo “tempero do pavor” no sangue deles e utilizá-lo para devolver vida a si mesmo e “seus amigos” (Groton e o anão).


Acho que essa cena de “exposição” dispensa comentários. Não tenho nada a acrescentar.


Groton ataca Michael e os dois saem na porrada. O anão, empolgado, fica saltitando com a briga e acaba caindo num alçapão que se abre (?) do nada, distraindo Groton e facilitando a fuga de Judith. Enquanto Groton vai atrás da moça, o cientista resolve partir pra ignorância, saca uma arma e dispara uma série de balaços contra Michael, que se defende bravamente (correndo pra debaixo de uma mesa e rolando no chão), até, finalmente acertar seu ombro. Nosso herói, não obstante, consegue fugir para o térreo. Judith consegue escapar por uma janela, sendo “seguida” por Groton - é visível a dificuldade de Chaney, idoso, doente e obeso, tentando subir a janela. O ator sobe até a metade da janela e a cena corta, certamente para esconder que o pobre diabo não agüentou fazer mais do que isso.


Entrementes, Hippie (usando, inexplicavelmente, o que eu creio ser uma roupa de mariachi) está enchendo o saco do Sargento Martin com o desaparecimento de Samantha (Como ele sabe que ela desapareceu?). O policial, explicando que vários corpos foram encontrados sob a casa de aberrações do parque de diversões (Quando? Como?), deduz que ela provavelmente está lá, e lá vão eles. Como a teoria de Michael, não faço a menor idéia de onde tiraram essa “reviravolta”. Esse tipo de piada já está manjada, mas não há outra maneira de colocar a sensação: dá para passar uma jamanta pelos buracos do roteiro desta bomba.


Mas não há tempo para reflexões, pois o filme nos fulmina com uma eletrizante cena de ação: ao som de uma bombástica trilha sonora, Dr. Duryae, no térreo de sua casa, tenta, reiteradamente e sem sucesso, acertar um balaço em Michael, que, com uma valentia que orgulharia Sir Robin de Camelot, fica se escondendo no escuro e tremendo como uma cadela. E aqui temos um momento de pura magia, que é quase impossível descrever com palavras, que vai fazer você chamar sua família toda pra ver e mostrar a todos os seus amigos. A cadeira de rodas do vilão esbarra em uma dos equipamentos de sua “casa de horrores” (uma guilhotina). Tragicamente, o gênio do mal é lançado de sua cadeira, caindo de cabeça na guilhotina, que é acionada, decapitando-o imediatamente. Quer dizer, decapitando um boneco altamente tosco...



Mas nem tudo é alegria: nossa heroína continua fugindo de Groton. Não sei como, mas ambos acabam indo parar num telhado (talvez da casa do Duryae, talvez não), onde são avistados pelo Sargento Martin e pelo Hippie. E Adamson, aqui, ultrapassa todos os limites da cara-de-pau, plagiando o final de “The Awful Dr. Orlof”, de Jess Franco: o sargento saca seu revólver, mira e acerta Groton, que desaba do prédio e se estatela no chão. É sério. A cena é idêntica à morte de Morpho em”Dr. Orlof.” O homem plagiou Jesus Franco! PQP! Para completar essa maravilha, a câmera paira sobre o corpo sem vida do bruto, que está sendo lambido pelo seu gatinho de estimação. De onde veio o gatinho ninguém sabe, mas o importante é a mensagem: ele era um monstro trágico! Tudo que ele queria era ser amado!


Quando tudo parecia estar bem, eis que surge o Conde das Trevas, que hipnotiza Judith com um “efeito especial” que já era manjado na década de 1940. E solta mais uma preciosidade: “Receio que sua busca por conhecimento terminará esta noite! Sua interferência vai custar-lhe muito caro!” Busca por conhecimento? De que diabos ele está falando? Ela só queria encontrar a irmã. E que interferência? No que diz respeito a Drácula, o Dr. Duryae já cumpriu sua função: o monstro já foi ressuscitado. Seja como for, o Conde decide complicar o que já está resolvido e amarra a mocinha em uns corrimões no telhado e solta alguma abobrinha no sentido de que “seu terror vai energizar cada átomo de seu sangue”, ao invés de partir logo para o “vamu-vê”. Nosso herói, Michael, contudo, não pretende deixar que tal tragédia se concretize. Pegando uns bastões (bananas de dinamite? sinalizadores?) guardados na mala de um carro (que não sei de onde surgiu, nem a quem pertence), o Galahad dos pobres sobe as escadarias que conduzem ao telhado. Drácula, com a sabedoria oriunda de séculos (ao longo dos quais ele certamente entediou milhares de vítimas com discursos afetados antes de saciar sua sede sanguinária), surge em seu caminho, jurando vingar a morte prematura de Dr. Duryea que, no seu entender, teve a vida ceifada por Mike antes de aperfeiçoar o soro que tornaria o vampiro onipotente. Mais uma vez, não sei o que uma coisa tem a ver com a outra. Pelo que eu vi, Drácula já é praticamente onipotente. E eu pensei que o soro era para revitalizar as pernas do Duryae e “curar” Groton e o anão. Achei que Drácula só queria que ele ressuscitasse o monstro. E não foi Michael quem matou o gênio do mal. Foi um acidente altamente improvável envolvendo sua falta de coordenação motora, sua cadeira de rodas e uma guilhotina. Michael estava se escondendo no escuro, com o rabo firmemente entre as pernas.


O Conde das Trevas continua com seu monólogo sobre como o soro vai conceder-lhe poder absoluto, permitindo criar um exército de mortos-vivos (não sei por que ele não pode fazer isso agora, afinal, ele é um vampiro) e que ninguém vai impedi-lo e etc. Em meio a esse discurso, surge o monstro de Frankenstein, cambaleando alegremente rumo a Michael, sua máscara de cremogema e papel higiênico mais inexpressiva que Keanu Reeves após uma aplicação de botox. Michael acende um dos bastões (que não eram bananas de dinamite, só sinalizadores; aparentemente, o plano de “herói” era intimidar os vilões sobrenaturais com iluminação intensa e a possibilidade de dolorosas queimaduras) e o empurra na cara do monstro. A criatura, sabe-se lá por que, surta e resolve atacar Frankenstein, justificando, finalmente, o título do filme. Enquanto os dois vilões lutam sem muita empolgação (o confronto mais lembra dois moleques frouxos de ensino fundamental trocando empurrões e fingindo que estão “lutando”). Enquanto isso, Michael aproveita o ensejo para soltar Judith e fugir.


Tragicamente, o vampiro leva a melhor e domina o monstro. Utilizando seu anel de Power Ranger, o Conde das Trevas dispara um raio contra nossos heróis, fulminando Michael num efeito especial que, como a Matrix, não pode ser explicado: tem que ser visto com os próprios olhos.

Mostrando toda a sua versatilidade como atriz, Regina Carroll manifesta o horror e o pesar diante da morte de seu amado com uma expressão que parece dizer “Ah, merda, esqueci a torneira ligada lá em casa” e desmaia.


Drácula, seguido pelo monstro carregando Judith, ruma mato adentro em direção ao que parece ser sua mansão (Será esta a “Mansão da Corpatia”?), que até então não tínhamos visto e, justiça seja feita, pelo menos externamente, é o cenário mais convincente do filme até agora. O vampiro fica enrolando antes de morder a moça, amarrando a cidadã numa cadeira, acendendo umas mil velas e, basicamente, enchendo lingüiça e soltando abobrinhas sobre o “dom” da imortalidade que pretende conceder a Judith, enquanto o monstro fica observando. Entrementes, o sol vai nascendo. Tenho certeza que isso não vai ter correlação nenhuma com a conclusão da história.


Durante esse interlúdio, o monstro mostra seu lado “sensível” e, aparentemente, se apaixona pela mocinha, que desperta e começa a gritar. Drácula, sem perceber que está rolando um clima, parte pra cima da beldade, e o monstro just can´t stop that feeling anymore! Ele parte para cima do Senhor da Mansão da Corpatia,

resultando em um confronto mais vibrante que um idoso aguardando seu atendimento no INSS – em síntese, o monstro avança, Drácula recua, com a expressão de quem acabou de detectar um acesso de flatulência no ambiente, e deixa cair seu anel mágico. Despido da fonte de seus superpoderes, o vampiro é perseguido mato adentro, sem muito entusiasmo, pelo monstro. Os titãs do terror finalmente entram em confronto e, embora seja difícil enxergar, pois a iluminação é horrível, Drácula arranca os dois braços do monstro, trazendo saudosas memórias de um filme de verdade (Monty Python em Busca do Cálice Sagrado e a cena do Cavaleiro Negro).


Por fim, o franzino Rei dos Vampiros arranca a cabeça da criatura.


E justamente quando a vitória está tão próxima, o vampiro percebe que o sol está nascendo, e, dando meia volta, corre em direção à mansão, resmungando, desnecessariamente, que “A aurora se aproxima! Preciso voltar ao meu caixão!”


Não ganha nenhum prêmio quem adivinhar que, quando está prestes a adentrar a mansão, o vampiro é atingido pelos raios do sol. Com uma expressão típica de quem está sofrendo de uma intensa prisão de ventre, o morto-vivo perece, dissolvido pelos raios solares.


Cessada a ameaça, nossa heroína se livra facilmente das amarras (atar nós, aparentemente, não era o forte do Conde), encontra o anel do finado Conde das Trevas e, saindo da mansão, depara-se com os restos mortais do vampiro. Um flashback com os momentos mais “marcantes”, alguns dos quais nem sequer foram testemunhados por Judith, se passa pela cabeça da manceba, que, horrorizada, joga o anel no chão, ao lado da capa do Senhor da Mansão da Corpatia, e parte, esperançosa por um futuro melhor, sonhando com o dia que todo este horror não passará de uma vaga memória e onde a guerra, a fome, a destruição sejam fulminadas como foram o monstro com máscara de cremogema e o vampiro com maquiagem de palhaço. Isso mesmo, se o Conde das Trevas e Dr. Duryea podem se dar ao luxo de torturar os outros com discursos intermináveis, pretensiosos e sem graça, eu também posso.


Encerra-se, assim, sem nenhuma menção ao destino de Samantha, Joanie, do Hippie ou do Sargento Martin, esta épica saga do sobrenatural.


POSFÁCIO


Algumas informações sobre o “processo criativo” que resultou nesta preciosidade explicam (embora não tornem tolerável) o roteiro sem pé nem cabeça. A história é mais ou menos o seguinte: O filme começou a ser filmado em 1969, quando Adamson pretendia fazer um filme que misturaria uma trama de motoqueiros e hippies, na linha de seu Satan’s Sadists (daí a “trama paralela” com Russ Tamblyn e sua quadrilha de debilóides) com os planos mirabolantes do Dr. Duryae e seu capanga retardado Groton, para obter seu “soro mágico” com sangue turbinado pelo terror das vítimas. Após parte gravar parte do filme, o financiamento acabou e AA teve que engavetar, temporariamente, a obra.


Mas, Adamson, nos moldes do Carl Denham do King Kong de Peter Jackson, era um homem para quem “a derrota é sempre momentânea”. Posteriormente, o auteur descobriu que o equipamento utilizado no Frankenstein de James Whale estava disponível para locação a um preço que até ele podia pagar (repare que esse é o que boato que rola “nas internets”. Eu ainda acho minhas teorias mais plausíveis). Não sendo o tipo de indivíduo que desperdiça oportunidades, o cineasta aproveitou o ensejo para dar vida a sua visão do monstro de Mary Shelley e introduzi-lo na história. Percebendo que a combinação do produto das duas filmagens ainda não fazia sentido, Adamson e seu produtor, Sam Sherman, tiveram um momento de iluminação e decidiram o que seria ideal para tornar a obra um todo coerente: introduzir Drácula na história. E para esse papel, a princípio, Adamson queria escalar John Carradine. Por motivos que não logrei descobrir, esse plano falhou, levando a outra decisão que só contribuiu para a magia da obra: Adamson acabou escalando Robert Engel, um corretor da bolsa que não tinha qualquer experiência como ator. Seguindo a sugestão de Forry Ackerman (mais uma vez, isso é que é um “consultor técnico” bom que só a porra), o diretor achou por bem batizar seu astro com um pseudônimo mais chamativo, mais adequado a um astro do horror, como fizeram Boris Karloff e Bela Lugosi. E assim, nasceu Zandor (inspirado no nome de Anton Szandor LaVey, fundador da Igreja de Satã) Vorkov (porque lembrava Karloff). E dessa “tempestade perfeita” cinematográfica nasceu a preciosidade hoje conhecida como “Drácula vs. Frankenstein”.


E eu gostaria muito de dizer que essas informações decorrem de meu profundo conhecimento sobre a história de filmes vagabundos, mas tal assertiva seria uma picaretagem digna de Al Adamson. Elas foram obtidas nos sites 1000misspenthours.com, jabootu.net e braineater.com.


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